Opinião: Fechar os olhos

Posted by

Poucas pessoas dão importância ao simples gesto de fechar os olhos. Todos o fazemos várias vezes (seguramente fazemo-lo ao adormecer), mas nem sempre percebemos a profunda mudança que isso nos traz. Se o leitor o quiser perceber, experimente agora a fechar os olhos durante alguns minutos, mantendo-se imóvel. Quando os abrir, lembre-se dos sons que ouviu e de que não se tinha apercebido antes. De algum modo, ampliou a sua experiência. Pode fixar-se num pequeno aspecto desse novo mundo que descobriu. Mas o mais provável é que esses sons se vão tornando indistintos e tenha começado a navegar num mundo onde as suas recordações e imaginação se misturem com a realidade à sua volta e que, finalmente, esta desapareça por completo. Entrou num estado semelhante ao sono. E se alguém ao pé de si mantiver um discurso que o oriente, conduzi-lo-á para qualquer experiência ou lugar. Entrará assim num estado semelhante à hipnose.
Sabe-se hoje a que corresponde tal experiência em termos de actividade cerebral: se compararmos o seu cérebro a duas meia-bolas justapostas, seria a face interna dessas duas metades que o dominaria. Começaram por chamar-lhe a “rede por defeito” (default network), aquela que funciona sempre, sobretudo quando não estamos envolvidos com alguma actividade. O problema agora é saber se ambas as metades ou apenas uma delas está a funcionar. E isso não está esclarecido. Sabemos porém que, mesmo sob as pálpebras, os movimentos dos olhos nos dão algumas indicações. Durante os sonhos, os olhos movem-se rapidamente de um lado para o outro. Também se sabe que, nessa altura, as informações que absorvemos durante o dia se transferem para as duas metades cerebrais, alternando entre elas, provavelmente ao ritmo dos movimentos oculares.
Sabe-se ainda que os acontecimentos traumáticos que não queremos enfrentar nem descrever se transferem apenas para uma das metades do cérebro (em geral a direita) sem acesso à linguagem. Aparentemente, nem sequer foram sonhados nem submetidos ao processo cerebral que os movimentos oculares rápidos denunciam. São vivências que não foram ”digeridas” e que se alojam num dos hemisférios, como se fosse um quisto prestes a rebentar. Rebentam sim durante os “acting outs” (comportamentos automáticos impensados, frequentementeq violentos) ou pesadelos sempre que um estímulo semelhante nos aparece à frente. São estes sintomas, frequentes nos veteranos de guerra, que constituem a chamada “Perturbação de Stress Pós-Traumático”.
Não podemos fechar os olhos em qualquer altura. É preciso estar em segurança e talvez aproveitar a escuridão que nos protege para que possamos fechar os olhos e ter acesso a todo esse mundo que amplia os nossos horizontes. E podemos deixar então que, periodicamente, os nossos olhos se mexam enquanto sonhamos, como que varrendo o lixo que o dia nos trouxe. Se o fizermos regularmente, ficaremos mais leves e equilibrados. Também ficaremos mais saudáveis, e pode mesmo acontecer que descubramos ao acordar a solução para os problemas que não sabíamos resolver. Numerosos inventores relatam esse fenómeno. No fundo, o que quero dizer é que possamos dormir bem para tirarmos o maior proveito do sono.

Leave a Reply

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

*

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.