Duas notícias separadas por pouco mais de um ano:
18/01/2022 – A partir de 19 de janeiro de 2022, o Hospital Beatriz Ângelo (Loures) deixa de ser gerido em regime de Parceria Público-Privada (PPP), passando para a esfera do Estado.
02/03/2023 – O Hospital se Loures enfrenta problemas nas urgências e o regresso a PPP começa a ser defendido, nomeadamente pelo presidente da Câmara de Loures (socialista): “Governo deve reverter este modelo para o modelo PPP com provas de eficácia e eficiência o mais rapidamente possível”.
Anteriormente:
Numa ‘Auditoria à execução do contrato de gestão do Hospital de Loures‘, o Tribunal de Contas (TC) revelava em 2015 que:
1. Os gastos operacionais por doente padrão do Hospital de Loures foram inferiores em cerca de 2% aos do hospital público mais eficiente;
2.O Hospital apresenta a segunda maior taxa de cirurgias realizadas em ambulatório dos hospitais comparados, o que se traduz na diminuição dos custos unitários da atividade cirúrgica;
3. O Hospital não apresenta constrangimentos assinaláveis ao acesso aos cuidados de saúde cirúrgicos, tendo-se verificado que os tempos médios de espera permaneceram abaixo dos limiares máximos;
4. A taxa de cumprimento dos tempos máximos de espera foi, no período analisado, superior a 97%.
Uma avaliação feita em agosto de 2017 pela Entidade Reguladora da Saúde) mostrava que:
1. Da análise da eficiência empreendida, constata-se que o Hospital de Loures obteve resultados favoráveis face aos hospitais comparáveis;
2. Das avaliações da qualidade conclui-se que os resultados do Hospital de Loures foram globalmente positivos, tendo o Hospital participado voluntariamente e obtido a estrela no primeiro nível de avaliação em todas as dimensões contempladas;
3. Tendo em conta uma análise dos custos para o Estado, ajustados pelas necessidades da população coberta pelo Hospital, depreendeu-se que as transferências públicas para o atendimento hospitalar da população são inferiores à média.
Finalmente, segundo revelou a Unidade Técnica de Acompanhamento de Projetos (UTAP) no relatório intercalar publicado em 2020, “A PPP no Hospital de Loures valeu ao Estado uma poupança de 167 milhões de euros entre janeiro de 2012 e dezembro de 2017”.
Três entidades independentes, todas na esfera pública, deram pareceres positivos. Então porque foi terminada esta PPP? O Hospital de Loures foi agora notícia porque foi nele que começou a corrente onda de encerramento das urgências de Pediatria que tem ocupado os noticiários das últimas semanas.
A primeira PPP da saúde foi instituída em 1996 com o Hospital Amadora-Sintra. A ideia seria aproveitar a (reconhecida) eficiência da gestão privada nos hospitais públicos. Apesar do entusiasmo inicial, foram criadas apenas mais 4 PPP hospitalares. Em 2019, três hospitais PPP, Vila Franca de Xira, Cascais e Braga, conseguiram os três primeiros lugares em Excelência Clínica, baseado no maior número de áreas com classificação 3+.
No ‘Relatório Síntese – Parcerias Público-Privadas Hospitalares no SNS’ de 2021, o TC concluía:
1. A avaliação das PPP, na vertente clínica, por parte das entidades públicas contratantes, tem sido globalmente positiva;
2. As PPP hospitalares foram genericamente mais eficientes do que a média dos hospitais de gestão pública comparáveis e estiveram alinhadas com o desempenho médio do seu grupo de referência quanto aos indicadores de qualidade, eficácia e acesso;
3. Os utentes dos Hospitais geridos em PPP estão protegidos por padrões de qualidade mais exigentes do que os aplicados nos hospitais de gestão pública do SNS;
4. A faturação da produção realizada também é objeto de um controlo mais exigente do que o aplicado aos hospitais de gestão pública do SNS;
5. Tendo em conta o Value for Money apurado pela Unidade Técnica de Acompanhamento de Projetos (UTAP), os estudos foram favoráveis à continuidade de todas as PPP na vertente da gestão clínica.
Quantas vezes foram as urgências do Hospital de Loures encerradas na vigência da PPP? Nenhuma! Parece-lhe que alguma coisa não bate certo? Tem razão: as decisões políticas em Portugal têm pouco a ver com a realidade. São baseadas em critérios puramente ideológicos. Como escreveu o antigo ministro Adalberto C. Fernandes, “a irresponsabilidade em política para além de custos económicos tem efeitos sociais injustos. Decidir sem ter em conta a evidência, sem ponderação e apenas por impulso ideológico para agrado do fundamentalismo radical prejudica o interesse público“.
PS: Já depois deste comentário estar escrito, o Ministro da Saúde e o Diretor Executivo do SNS “não descartaram a hipótese de se voltar às PPP da Saúde”!