Desta vez pedi o título emprestado ao génio de Victor Hugo. Diz muito sobre o que penso e sinto. A música é sobre os sentidos.
Mas vale a pena descer à terra e observarmos o “Relatório Global da Música 2023”, que foi apresentado há dias pela IFPI, entidade que representa as editoras musicais a nível mundial. Este é o documento de referência da indústria musical para aferir a evolução do mercado, desafios e oportunidades. Ficamos então a saber que o mercado global de música gravada cresceu 9,0% em 2022, dando sequência a diversos anos de crescimento sucessivo, representando receitas totais de 26,2 mil milhões de dólares.
A Europa, que representa 27,7% das receitas globais, cresceu 7,5%. Quando comparada com a América Latina, que cresceu 25,9%, ou com a Ásia, que cresceu 15,4%, percebemos que há um grau de maturidade ou esgotamento do mercado europeu que levanta desafios acrescidos.
Atualmente, a maior parte das receitas da indústria da música provém dos serviços digitais de “audio streaming” (ex. Spotify, Apple Music, Deezer, etc), que cresceram 10,3% em 2022, representando 589 milhões de utilizadores com subscrição paga. Importa distinguir este tipo de subscritores de todos os demais que incluem também as contas gratuitas assentes em publicidade. Ora, aqui está o maior desafio para o crescimento do mercado musical (em especial na Europa): por razões culturais há quem entenda que o acesso digital à música deve ser gratuito, sendo por vezes socialmente tolerada a pirataria e muito por inércia dos governos que nunca educaram os consumidores para o valor da propriedade intelectual e cuja educação musical falha claramente nas escolas. O valor da música deve ser pago!
Ora, num modelo que está assente em publicidade as plataformas não transferem para os artistas e para os produtores o real valor da criação. Sem a devida remuneração dos detentores dos direitos criativos significa que não haverá mais criatividade e mais inovação.
Acresce, num tempo em que a inteligência artificial sintetiza vozes e se substitui aos criadores. Em que há quem acredite que os robots podem tornar dispensáveis o Mozart, os Beatles ou os Rolling Stones a vida fica ainda mais difícil para o universo da música. Vivemos tempos complexos em que a tecnologia pode ajudar o Homem e a respetiva criatividade, mas nunca substituir-se a esta. Sobretudo se for para depreciar o seu valor!