Opinião: A escola madrasta

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O meu neto João é um gajo porreiro. Simpático e tudo. Verdade que não foi um estudante brilhante, mas para mim, que vivo na praia da educação há largas décadas, o que aconteceu foi que a escola nunca conseguiu descobrir aquilo em que o João é mesmo bom. Este é um dos maiores buracos da escola, dá, dá, dá matéria igual para todos, mas quando é preciso um diagnóstico assim mais especializado, com psicólogos, sociólogos, orientadores profissionais, gente que saiba ver: “este gajo tem pinta para isto ou para aquilo”, aí o que temos, é o deserto. A escola sabe bué de matemática, português e tudo por aí fora, mas quando se trata de descobrir o talento, o perfil de cada um, as portas que por vezes se abrem e entusiasmam para cumprir sonhos, aí a escola, nicles. Uma desilusão.
O João frequentou uma escola regular geminada com uma escola de música, no mesmo espaço físico, onde teria sido fácil ver as inclinações do rapaz que hoje até tem como hobby a produção musical. Mas não, nada. Questionei a diretora de turma (DT), mas a resposta foi esclarecedora: “ainda está para nascer alguém que me ensine a mim a ensinar”. Aí, pensava ela, era mestra, mas o que pude observar foi uma total impreparação para o cargo.
Na sala de aula não era melhor. Bastava que um aluno “espirrasse” ou que desse conta de algum cansaço, parava a aula, sentava-se atrás da secretária e não proferia nem mais uma palavra. Os alunos ficavam à espera que tocasse a campainha. Não invento, relato o que pude observar. As escolas em grande parte deixaram de ser instituições de formação, muitos professores entram na carreira sem um estágio profissional de qualidade e a organização da escola não prevê o espaço e o tempo para as comunidades de aprendizagem que assegurem a melhoria e atualização dos seus docentes.
O resultado é a exclusão forçada dos alunos, orientados para cursos profissionais que nem sempre encaixam nas suas expetativas nem respondem às suas aptidões. O abandono é muitas vezes a porta de saída.
O João não desistiu da escola, a escola é que desistiu do João, encaminhando-o para uma escola profissional de cozinha, curso financiado pela UE, claro, onde aprendeu o que eram tachos, panelas e frigideiras e ao fim deram-lhe um diploma para ir aprender cozinha num restaurante. E foi, que o João não é de amuar e parar como a DT, aprendeu uns rudimentos e foi trabalhar já com contrato, salário mínimo, onde ganhou tarimba para novos voos. Tomou balanço e voou mesmo para Londres, destino seguro de quem não tem destino digno em Portugal, três dias em casa da tia, arranjou logo alojamento e empregou-se num restaurante/pastelaria no centro da capital, com total autonomia financeira. Aqui, sim, tornou-se profissional, sem deixar o seu hobby musical, com abundante produção no Youtube, e entendeu que agora já tinha trunfos para trabalhar nos melhores hotéis de Londres. Queria trabalhar com o Chefe de Cozinha mais famoso. Para aprender.
E vai daí, foi a esse hotel munido do seu CV e disse: “Quero trabalhar neste hotel como cozinheiro. Têm aqui o meu CV. Se estiverem interessados, liguem-me”. Ficaram de olhos esbugalhados, mas ligaram. Menos de oito dias depois, foi contratado com um vencimento cinco vezes superior ao que tinha em Portugal. O estudante não reconhecido soube dar a volta por cima e ter uma vida digna e confortável.
A escola nem sempre é um bom filtro nem sabe descobrir as forças e fraquezas das pessoas. A mesma receita para todos, indiferente a talentos e alergias. Aos indefesos, aos não formatados, a única porta para que aponta é a da exclusão. Quando os excluídos têm forças e vontade, conseguem descobrir o caminho, a saída para o sucesso. Há sempre um caminho desconhecido que espera por nós. Pena que a escola não tenha um bom GPS para o descobrir. Foi o caso do João, que vos está a incitar: se a escola desistiu de ti, não te rendas, luta e descobre por ti o que a escola não soube descobrir.

 

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