O Senhor Almirante

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O Senhor Almirante Gouveia e Melo gosta muito de se ver ao espelho. Compreende-se. Pois o espelho reflete, aos encantados olhos do Senhor Almirante, um perfil apolíneo, um garbo marcial, uma severidade contida de traços distintivos dos heróis marinheiros seus antecessores.
Os feitos navais do Senhor Almirante, de que a Campanha das Vacinas é apenas o episódio mais conhecido, colocam-no, justificadamente, ao lado de outros pátrios heróis marinhos, como Vasco da Gama e Bartolomeu Dias. É o que o espelho do Senhor Almirante matinalmente lhe conta, e os espelhos, como a Bruxa Má confirmará, não mentem.
O Senhor Almirante Gouveia e Melo também gosta desvairadamente de se ver na televisão.
Tomou-lhe o gosto quando, do alto da sua altura imensa, em ato de coragem revelador de um caráter superior, e apesar de atrapalhado pela multidão de operadores de câmara, de jornalistas e de fotógrafos que, vá-se-lá saber porquê, se juntam em matilha quando o Senhor Almirante põe o discreto pé na rua, fuzilou, com olhar prenunciador de dois valentes tabefes, um par de minorcas negacionistas, desde então desaparecidos em combate.
E, vai daí, é um ver se te avias de atos heróicos registados pelas câmaras da Marinha – que, ao que parece, tem mais operadores de câmara que marinheiros – por regular e competente mão desencaminhados para a CMTV.
Ele é alucinantes perseguições em alto mar a ronceiros cargueiros, canoas, pirogas e pranchas de surf presumível e alegadamente carregados de droga. Ele é destemidas ações de salvamento e resgate de, como agora se diz, séniores e imprevidentes passageiros de cruzeiros, abatidos pelo mal de mer e análogas doenças terminais. Ele é o implacável e sumário julgamento, em direto e ao vivo, dos amotinados do luso Bounty, não vá o diabo tecê-las, e venha um Potemkin ao virar da esquina. Ele será comoventes salvamentos, por fuzileiros helitransportados, de gatinhos que não conseguem descer altaneiras árvores. Ele será impiedosas operações de repressão a apanhadores ilegais de bivalves, a pescadores de fim de semana sem as licenças em dia, e a outros empedernidos criminosos do mesmo jaez.
Não vem mal algum ao mundo que o Senhor Almirante, para infinita tristeza dos seus teleconcorrentes Portas e Marques, queira ser o Marcelo que se segue, o Marcelo dos Marcelos, o Marcelo a valer.
O problema, na verdade, nem é o Senhor Almirante.
O real problema é haver quem queira um Almirante assim.

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