Começou cedo, interrompeu a meio e, 20 anos depois, regressou às competições, com o mesmo espírito competitivo de sempre. Neste momento, entre provas e treinos, prepara-se para os mundiais de atletismo, na categoria de veterano, que se disputará, em março, na Polónia.
O meio-fundista figueirense Paulo Garcia iniciou a sua carreira no atletismo aos 11 anos, tendo como fonte de inspiração o campeão olímpico de maratona português Carlos Lopes e como “clube” o Grupo Musical Carritense, coletividade da freguesia de Tavarede, na Figueira da Foz. Ao longo do percurso desportivo, vestiu a camisola de vários clubes dos distritos de Coimbra e de Aveiro.
“Aos 12 anos, comecei a dar nas vistas e fui correr para Coimbra, no Santa Clara. A partir daí, foi sempre um crescimento e dediquei-me ao atletismo”, contou Paulo Garcia ao DIÁRIO AS BEIRAS. Nessa altura, frisou, não tinha uma especialidade. “Fazíamos tudo: corríamos, saltávamos… Com aquela idade, ainda não há uma vocação específica, pois ainda estamos a aprender. A partir dos 15 anos é que começamos a ter uma disciplina específica”, ressalvou.
“O meu professor, Mário Maia, dizia-me que eu seria um atleta de fundo, de cinco mil e 10 mil metros, e foi nesse sentido que começámos a trabalhar para atingir as bases necessárias para poder ser atleta de fundo”, recordou. Paulo Garcia acabaria, no entanto, por dedicar-se aos 800 metros e aos 1500 metros.
Regresso a Coimbra
Paulo Garcia sempre foi um atleta rápido. Até aos 25 anos, competiu ao mais alto nível. Entretanto, foi convocado pela corrida da vida a fazer escolhas e não hesitou em definir prioridades. “Comecei a trabalhar e deixei o atletismo. Fiz um interregno de 20 anos”, anotou. E ganhou “uma família espetacular”.
A propósito de família, Paulo Garcia fez questão de frisar que conta “sempre com o apoio de todos os familiares”, independentemente do grau de parentesco, nas vitórias, a quem as dedicas, e nas provas em que não sobe ao pódio, de quem recebe motivação para continuar. Os agradecimentos estendem-se ao treinador, Mário Teixeira, e à restante equipa técnica, ao clube e aos patrocinadores, sem esquecer os amigos que também lhe dão força adicional.
Quando regressou, em 2016, “estava completamente enferrujado (risos)”. “Desenferrujou-se” “lentamente”, mas, quando atingiu a forma que lhe permitiu regressar às provas, rapidamente voltou a ser o Paulo Garcia competitivo de sempre. Mário Teixeira, ex-atleta de alta competição do Sporting, foi determinante nesta segunda vida do atleta, ao convidá-lo para treinar na Escola de Atletismo de Coimbra, cujas cores o figueirense representa.
Os próximos desafios
O próximo grande desafio do meio-fundista Paulo Garcia, como já foi referido nesta reportagem, é o Campeonato do Mundo de Veteranos. Após esta prova, o atleta figueirense vai, decerto, continuar a correr, ou não fosse ele um paradigma de superação, resiliência, determinação e disciplina atlética.
“Mesmo que seja veterano com 55 anos, penso tal e qual como um jovem de 20 anos que treina para um campeonato do mundo ou para os Jogos Olímpicos. Ou seja, tenho de ser muito metódico na alimentação, no descanso, na hidratação. Não posso fazer grandes loucuras como uma pessoa normal, embora eu seja uma pessoa normal (risos)”, afirmou.
Paulo Garcia tem como meta continuar a competir, pelo menos, mais dois anos. “Gostava de fazer uma maratona. Depois de deixar a competição, quero continuar a treinar e correr só por lazer, porque a competição é muito desgastante”, antecipou o atleta.
“A Figueira da Foz tem excelentes condições”
Uma marginal longa e plana, um areal extenso (onde existe uma minipista de treino), serra, um estádio municipal que em breve terá uma pista de tartan e muitos atletas a praticar atletismo. Não é uma adivinha, é a apresentação da Figueira da Foz como cidade que convida à prática de atletismo.
De resto, com o apoio do Município da Figueira da Foz, a cidade recebe, no dia 12 de março, o Campeonato Nacional de Marcha. Nesta prova, espera-se que alguns atletas atinjam os mínimos para o Campeonato do Mundo.
“A Figueira da Foz tem excelentes condições para a prática de atletismo. Treino cá. Todo o meu trabalho de base é feito cá. As condições estão na marginal, porque é completamente plana. Se quisermos fazer um trabalho de força, temos a Serra da Boa Viagem, temos a praia, com zonas que proporcionam diversos ritmos. Temos dunas, hotelaria e ginásios”, indicou Paulo Garcia.
Contudo, falta um pavilhão de atletismo. “A cidade vai ter uma pista, no Estádio Municipal José Bento Pessoa, com seis corredores e com oito corredores de 100 metros. As coisas estão a avançar”, ressalvou Paulo Garcia. A falta de pavilhões, esclareceu o atleta figueirense, que treina num pavilhão em Pombal, é uma realidade nacional. “Portugal tem algumas lacunas nesse aspeto”, destacou.
Semiprofissional na Suíça
Paulo Garcia sabe que poderá ter passado ao lado de uma grande carreira profissional como atleta. “[Na altura em que comecei], em Portugal era muito difícil ser-se atleta profissional. Os atletas profissionais e olímpicos eram mesmo de exceção”, afirmou
“Estive perto de fazer os mínimos olímpicos. Se os tivesse atingido, teria de vencer os atletas com os melhores mínimos. Havia uns cinco atletas com os mínimos olímpicos, mas só três podiam representar Portugal”, acrescentou.
A partir dos 22 anos, Paulo Garcia pensou dedicar-se ao atletismo com o estatuto de profissional. Mas desistiu da ideia, a favor da “família espetacular” e de uma profissão com garantias de estabilidade. Foi uma escolha afetiva e racional, da qual não se arrepende.
“Sinto que passei ao lado de uma grande carreira desportiva, mas não sinto remorsos de não ter acreditado mais em mim. As coisas eram feitas com muita naturalidade e eu tive de optar: ou treinar ou trabalhar. Durante algum tempo, tentei conciliar as duas coisas, mas vi que não era exequível”, concluiu.
O atleta, agora veterano de topo, na verdade, foi semiprofissional. Durante vários anos, residiu na Suíça. Na Confederação Helvética, trabalhou numa fábrica de uma conhecida multinacional de equipamentos desportivos que lhe permitiu laborar a meio tempo e dar-lhe margem para treinar e competir. Paulo Garcia, no entanto, optou por regressar a Portugal.