Predisposição autoritária irrompe com facilidade dos discursos da internet, das redes sociais, da opinião sem razão, como a pêra bêbada cozinhada de emoções. A personalidade autoritária surge de modo espontâneo da impressão. Não é preciso introspecção, não é necessário tempo de reflexão, não se pede a tranquilidade da experiência. O autoritarismo é uma compulsão humana que funciona como o rosnar do cão em frente ao prato, pode ser educado e deixar de se fazer.
A gritaria com que se prende e insulta a diferença, com que se afasta a opinião divergente é um balde de ignorância, de ódio, de ressentimento. Também o carrego e salpico com ele umas tantas situações. Bonito é mesmo o dia seguinte em que percebo que baixei o nível e me arrependo, me desculpo e me conformo no arrependimento. Ser cidadão por inteiro é não negar que somos pessoas e por isso temos estas coisas animais e as outras, mais típicas dos humanos. Por isso digo tantas vezes que é mais fácil amar os bichos. O exercício de aceitar os defeitos tremendos dos humanos é de uma complexidade inimaginável. Perdoar é um exercício extraordinário que foi personificado por Nelson Mandela.
A crueldade humana é de uma barbárie não animal porque se faz gratuitamente, constrói-se de ódios que não circunscrevem necessidades básicas como comer ou beber e procriar. A barbárie humana pode levar ao fim das espécies, ao morticínio de campos de concentração, ao exercício da guerra para ganhar dinheiro, ao encarceramento de alguém para benefício de carreira, ao atropelo da legalidade para elevar um familiar. Não tenhamos dúvidas sobre a inteligência humana que é multifacetada e criativa. A criatividade colocada ao serviço do mal é um horror que se tem repetido. A imaginação ao serviço da guerra permite ciclos de trevas e de morte incontável. Não tenhamos nenhuma ilusão de que é mais fácil amar um cão, adorar um gato, passear uma cabra, ensinar um porco.
Os homens são especiais. Os seres humanos são surpreendentes, são difíceis a todos os que os conhecem bem aos balcões, nos serviços de cafetaria, hospitalares, nas lojas do cidadão. Tipos providos de inteligência comportam-se com frequência como jumentos. Tipos supostamente capazes de agregar conhecimento debitam fanfarronadas inverosímeis. Pais maltratam filhos, filhos negam amizade aos pais.
O ser humano é por tudo isto muito difícil, e porque desaponta, desilude, é mais fascinante ainda. Por tudo isto não ligo muito aos impropérios da internet, aos atrasados mentais que se vestem de troll para irromper o sossego das opiniões, aos da matilha dos partidos que se recusam a ter sua própria visão. Serve esta crónica para esclarecer que o pior dos males pode ser a tentação autoritária que brota do deslumbramento do poder.
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