Opinião: Os genes e as crenças

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A sequenciação do genoma humano foi realizada por vários cientistas na transição do Século. Há 20 anos pensávamos que tínhamos na mão os segredos da vida e suas doenças. Elas poderiam ser anunciadas pelos genes que encontraríamos desde o embrião, e havia a esperança de que, por manipulação genética, as pudéssemos resolver. O entusiasmo dos biólogos sobrepunha-se às preocupações éticas que se adivinhavam. Ao longo do tempo, porém, fomos percebendo que este raciocínio linear não se adequava à realidade. E hoje, estamos a perceber que as crenças são mais importantes do que os genes. Mais do que o código genético, é o código postal que importa, como escreveu van der Kolk num livro publicado em 2014.
Desde então, têm-se acumulado evidências de que a saúde e esperança de vida dependem mais da cultura e das crenças que nos foram transmitidas em crianças do que dos nossos genes. Na ordem do dia já não está a Genética, mas a Epigenética. E o que nos diz ela? Diz-nos que os genes, embora presentes nos cromossomas, só se activam ao receber um sinal do ambiente. Os seja: os genes que importam são aqueles que o ambiente desperta. Chegados aqui, restam duas perguntas: ( 1 ) para que servem então os genes? ( 2 ) o que é, exactamente, o ambiente?
A resposta à primeira questão pode parecer surpreendente. Os genes servem apenas para a reprodução das células. De facto, uma célula pode sobreviver e cumprir a maioria das suas funções, mesmo sem genes. Só não pode é originar outras, como é comum nas células que ocupam os nossos tecidos e se intersubstituem num tempo que varia de horas a décadas, consoante o tipo de célula. Nós que supúnhamos que os genes estavam na origem do comportamento celular, descobrimos agora que são apenas o seu órgão reprodutor.
Já a segunda resposta é mais complexa. O ambiente é constituído pelos estímulos que atingem a célula ou o organismo. No caso das células, eles atingem os receptores, localizados na “pele” que se chama membrana citoplasmática. No caso de um organismo, o meio ambiente, também influencia os receptores, mas estes são muito mais complexos: o tacto, os receptores da dor, os pequenos fusos que assinalam a tensão muscular, os receptores que se alojam no nariz e na boca. Msmo as ondas sonoras e visuais chegam ao cérebro depois de descodificadas por pequenos órgãos que se encontram na periferia do corpo, como os ouvidos e os olhos. No fim, é o cérebro que organiza todas estas informações, antes de as enviar coordenadamente, como se fosse um comando, a todo o organismo.
Paremos agora para pensar: o comando do cérebro para o organismo destina-se a uma acção coordenada com vista a um objectivo, seja ele fugir, lutar, deslocar-se, procurar algo. Pode ser uma simples reacção imediata ou alguma coisa que foi analisada e pensada anteriormente. Palavras, hábitos aprendidos e memórias bem estabelecidas contribuem para essa acção coordenada. E a crença de que essa acção será recompensadora é central na sua escolha. Ora, as crenças que que nos estruturam foram-nos incutidas pelos cuidadores até aos 6 anos. Muitas vezes não são acessíveis à consciência. Mas hoje temos tecnologias que permitem voltar a elas e mesmo reestruturá-las. Talvez seja melhor fazê-lo do que recodificar os genes.

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