Opinião – Jamila Madeira: pode o estatuto parlamentar ignorar direitos laborais?

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O apertado escrutínio efectuado pela comunicação social ao exercício cumulativo do mandato da deputada Jamila Madeira com o da sua actividade profissional enquanto economista na REN, Serviços S.A (onde terá entrado em 1997 ), trouxe à ribalta – naquilo que me importa agora abordar – a figura do pluriemprego e a da cedência ocasional de trabalhadores. De tudo o que conseguimos ler na comunicação social, parece que podemos assumir como assente que Jamila Madeira entrou na REN – Rede Elétrica Nacional, S.A. (concessionária de serviços públicos) em 1997 mas a partir de 2011 passou a trabalhar para a REN, Serviços, S.A (empresa do grupo, mas que não é concessionária de serviços públicos).
É, por isso, legítimo perguntar se, afinal de contas, Jamila Madeira foi disponibilizada pela REN para prestar trabalho à REN Serviços (passando esta entidade a ser titular do poder de direcção, apesar de se manter o vínculo contratual inicial com a REN), ou se a REN, a partir de 2011, continua a poder dirigir a prestação subordinada do trabalho da deputada. O mesmo será perguntar quem é(são) o(s) empregador(es) de Jamila Madeira, necessariamente quem dirige e orienta a prestação do trabalho e é devedor da retribuição.
Apesar de na comunicação social se falar de pluriemprego, Jamila Madeira afirmou que desde 2011 apenas trabalhava na Ren Serviços, S.A., que lhe efetuava o pagamento da retribuição devida, dirigia e orientava o trabalho e fazia os descontos para a segurança social. Neste quadro factual, presumo que a deputada marcaria as suas férias e justificasse as suas faltas junto da entidade que lhe pagava o salário, e nenhuma outra. Tudo dá a entender que Jamila Madeira está convencida que é a Ren, Serviços S.A. a sua empregadora actual (apesar de manter o vínculo inicial com a REN).
Chegados aqui, sabemos também que a comissão da transparência que funciona junto da Assembleia da República e analisa estas matérias – acumulações de funções do exercício do mandato de deputado com a atividade profissional do mesmo -, considerou em 2010 que não existia qualquer incompatibilidade ou impedimento na acumulação entre o seu trabalho na Ren e de deputada (com redução salarial em ambas as funções).
Mas que agora iria adotar uma posição contrária e daí a razão da polémica.
Ora, aceitando-se como admissível a mudança de sentido de orientação da Assembleia da República, pois em 2019 houve uma alteração ao Estatuto dos Deputados, o que se pode dizer por um lado e com toda a certeza é que Jamila Madeira já era funcionária da Ren, S.A. muito antes de ser deputada e nessa medida, era trabalhadora antes de ser titular de cargo político. Por outro lado, não sendo a Ren Serviços, S.A. uma concessionária de serviços públicos (e é sabido que a norma do estatuto dos deputados que versa sobre restrições de direitos, liberdades e garantias como é o caso de normas que impedem a acumulação, não comporta interpretação extensiva) poderá não estar numa situação de impedimento ou incompatibilidade, sobretudo se analisada a questão do ponto de vista constitucional.
Mas mais do que saber a quem assiste razão nesta matéria da acumulação, apraz salientar que a questão foi colocada pela deputada no local próprio, e em devido tempo, mas o esclarecimento só parece querer ver a luz do dia quando, muitos meses depois, já é inútil.

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