Opinião: “Corrupção”

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Estes são os inquietados dias dos dignitários da Nação. Gomes Cravinho e Fernando Medina, nestes dias. Dias iguais, afinal, aos que já foram de Cabrita, semelhantes aos de Pedro Nuno Santos, Miguel Relvas, Manuel Pinho, Paulo Portas, Duarte Lima, Vitalino Canas, Morais Sarmento, Isaltino Morais, Armando Vara, Oliveira Costa, Rui Rangel, Azeredo Lopes, José Sócrates, José Penedos, João Rendeiro, Correia de Campos, Miguel Reis e os tantos mais que passaram da condição de dignitário a figurante de manchete. Tudo gente de palanque, cultores da ideia da existência de uma “classe política” que, não sendo classe social, serve os interesses da classe a que Warren Buffett se referia quando afirmou que “há uma luta de classes, tudo bem, mas é a minha classe, a classe dos ricos, que está na luta, e está a vencê-la” (“there’s class warfare, all right, but it’s my class, the rich class, that’s making war, and we’re winning”).

Nas notícias sobre a corrupção, o Estado é referido como se de uma abstração se tratasse. Assim se retira, ao entendimento dos comuns, a evidência de que o Estado somos nós, cada um de nós, sendo afinal a única “empresa” de que todos somos acionistas e da qual, por igual deveríamos ser beneficiários. Ao longo dos anos, porém, protegidas pela parangona de que “o Estado é mau gestor”, as governações bicolores foram fragilizando as instituições, alienando o património, moldando o quadro legal, ao mesmo tempo que procuraram reduzir a democracia a um mero ritual crescentemente encenado. Apresentado como a origem de todos os males, o Estado – todos nós – vem sendo, afinal, a grande vítima de uma longa e bem urdida conspiração que lhe (nos) leva os dedos e os anéis. Em Portugal, menos Estado vem significando – sempre – pior Estado, pior serviço público: na Saúde, na Educação, nos transportes, na Habitação.

A “opinião pública” encara o seu destino (por muito desconcertante que tal possa parecer) com a resignação que aprendeu na raspadinha: “é como é!”. O mesmo “é como é” com que António Costa se curvou, há dias, perante a inflação que vai comendo, impiedosa, os salários e as pensões ao ritmo do crescimento dos lucros da grande distribuição. Ainda assim, a marcha dos devotos do “menos Estado, melhor Estado” tem encontrado a resistência dos que se levantam contra o encerramento do Centro de Saúde, a privatização da água, a eliminação de serviços públicos.

Mais permissiva do que o Purgatório, a Lei facilita com elevada competência a conversão dos pecadores do ressuscitado “arco da governação” ao setor privado: ali está Portas de joelhos perante a Mota-Engil, que já tinha ajoelhado Jorge Coelho, Luís Parreirão e Valente de Oliveira; e Maria Luís nos braços da Arrow Global; António Pires de Lima acolhido na Media Capital; Sérgio Monteiro transportado para o Fundo de Resolução que passou o Novo Banco a patacos; Sócrates a vender para a Octapharma; Manuel Pinho e António Mexia por conta da EDP; Pina Moura pela Iberdrola, Luís Campos e Cunha no Banif, Guilherme d”Oliveira Martins no BPN Efisa, Miguel Cadilhe no BPA, Joaquim Ferreira do Amaral na Lusoponte, Durão Barroso no Goldman Sachs International.

Tudo legal, ainda que seja evidente que “o que eles querem é tacho”. A frequente passagem de governantes e titulares de cargos políticos para o setor privado não é uma anomalia. É um sintoma. Um sintoma revelador do tanto que as governações (eleitas) das últimas décadas têm favorecido, direta ou indiretamente, interesses privados livres de qualquer tipo de escrutínio. É o percurso natural de quem usou o cargo público para debilitar o Estado que jurou defender, passando-o de proprietário a cliente, de ator político a mero interlocutor, de soberano a servidor. “É como é!”, dir-se-á – hoje o governante em exercício, amanhã o seu opositor aparente –, se o lugar da alternância não for depressa ocupado pela alternativa. O certo é que não é justo, seja qual for a manchete do jornal de amanhã, que seja Warren Buffett a decidir o rumo das nossas vidas.

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