“Ao longo dos séculos, por diversas vezes os estudantes da Universidade de Coimbra pegaram em armas, constituindo Batalhões Académicos, para defesa da independência da Pátria ou da liberdade dos seus concidadãos.
O primeiro de que existe desenvolvida notícia foi constituído, em 1644-1645, no âmbito da Guerra da Restauração, em resposta a solicitação dirigida por D. João IV ao Reitor da Universidade, D. Manuel de Saldanha, que pessoalmente comandou os 630 estudantes, enquadrados por alguns professores, que marcharam para o Alentejo, em defesa da praça de Elvas, sitiada pelas tropas espanholas”.
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Os dois parágrafos que acabam de ler não são de minha autoria. Transcrevi-os (com a devida vénia) da Introdução de um livro muito interessante, intitulado “O Batalhão Académico de 1846-1847”, da autoria de António dos Santos Pereira Jardim.
Este António Jardim tem uma história bem curiosa: nascido em Coimbra em 1841, no seio de uma família humilde, começou por ser tanoeiro e com os proventos do seu trabalho conseguiu estudar e matricular-se na Faculdade de Direito, onde viria a ser prestigiado professor.
Mas também não são da sua autoria os dois parágrafos com que inicio este meu texto!…
Eles foram escritos, isso sim, pelo responsável pela reedição deste e de muitos outros livros que abordam a História de Coimbra e da sua Academia.
Estou a referir-me a Mário Araújo Torres. Nascido em Cabeceiras de Basto em 1945, veio para Coimbra ainda criança e aqui concluiu a instrução primária (na Escola da Sé Velha), depois o ensino secundário (no Liceu D. João III) e a licenciatura na Faculdade de Direito (em 1968 ).
Ainda estudante, em 1967, foi subdirector da revista “Estudos”, editada pelo CADC (Centro Académico de Democracia Cristã). Em 1969, já a fazer o estágio de advocacia, participou na defesa de estudantes que foram alvo de processos por participarem na chamada “Crise Académica”. Integrou também as listas da Oposição Democrática de Coimbra nas eleições legislativas desse mesmo ano. Regressado da Guerra Colonial em Angola em 1974, iniciou uma brilhante carreira na magistratura, tendo chegado a Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal Administrativo ( 1993-2000 ), do Supremo Tribunal de Justiça ( 2000-2002 ) e do Tribunal Constitucional ( 2002-2009 ).
Desde a sua jubilação, tem vindo a dedicar-se à recolha e reedição de obras de diversos autores que em Coimbra desenvolveram a sua atividade ao longo dos tempos (desde o séc. XVI até ao séc. XX), e que estavam “desaparecidas” ou mais ou menos esquecidas.
A lista é longa e o espaço é escasso, pelo que aqui cito apenas algumas dessas obras: “Apontamentos para História Contemporânea”, de Joaquim Martins de Carvalho; “Descrição e debuxo do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra”, de Francisco Mendanha; “Contributos para a toponímia da região de Coimbra”, de José Leite de Vasconcelos; “Conimbricae encomium” (elogio de Coimbra) de Inácio de Morais; “Corografia Portuguesa”, de António Carvalho da Costa; “O Antiquário Conimbricense – Seguido de Alvenda ou a conquista de Coimbra por Fernando Magno”, de Manuel da Cruz Pereira Coutinho; “Belezas de Coimbra”, de António Moniz Barreto Corte-Real, seguido de “Memória topográfica e descrita de Coimbra e seus arredores” de Francisco António Rodrigues de Gusmão.
O livro sobre o Batalhão Académico é o mais recente (editado em Setembro de 2022 ), e a profusão de notas e de textos que o valorizam, vem demonstrar, uma vez mais, o notabilíssimo trabalho de investigação desenvolvido por Mário Araújo Torres
Simbolicamente comecei por esse livro e com ele acabo.
Para sublinhar que o conselheiro Mário Araújo Torres, com uma enorme modéstia, está a oferecer um precioso contributo para a preservação e divulgação de importantes obras literárias e históricas – e, por essa via, para enriquecimento do património de Coimbra e do País.
Uma personalidade singular, a quem aqui presto homenagem, tão singela quanto merecida.
E que demonstra que as letras também podem ser armas – no caso vertente usadas em defesa da Cultura.