Opinião: A idade dos médicos

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O Serviço Nacional de saúde (SNS) continua nas bocas do mundo, pelos maus motivos. Nesta coluna de Opinião, tenho discutido o tema frequentemente, fazendo diagnósticos e apontado eventuais soluções. Naturalmente, os meus diagnósticos e as minhas soluções.
Continuo a pensar que o problema do SNS não está tanto na falta de dinheiro e de profissionais, como muito se reclama, quanto na desorganização do sistema de trabalho. Senão, vejamos: em 2012, a despesa com o SNS foi de 8.947 milhões de euros e os gastos com pessoal eram de 3.34 milhões de euros; em 2020 estes custos eram, respetivamente de 11.779 e 4.743 milhões de euros (dados PORDATA, 2022 ). A estimativa de execução para 2022 coloca o setor da saúde a representar 13,2% do orçamento do estado. O orçamento para 2023 prevê uma despesa total consolidada de 14 858 milhões de Euros, mais 1.177 milhões de euros que em 2022, o que significa que o peso do setor da saúde na despesa primária do estado é reforçado para 13,9%.
Ora, este aumento de mais de 50% dos orçamentos para a saúde da última década resultou numa melhoria correspondente nos cuidados prestados? É evidente que não! Já aqui afirmei várias vezes que, simplesmente, lançar mais dinheiro para o sistema resulta apenas num aumento do desperdício.
Por outro lado, em 2020 Portugal tinha mais de 57 mil médicos; era o segundo país da União Europeia com mais médicos por mil habitantes (5,6). Um valor bem acima da média europeia de 3,8 médicos por mil habitantes (PORDATA). Então porque temos tanta “falta de médicos”? É certo que apenas 46% trabalham nos hospitais, um número que tem vindo progressivamente a diminuir nas últimas décadas. O SNS é cada vez menos atrativo; para os jovens médicos, em especial.
Mas o principal problema reside na falta de eficácia do modelo organizativo do trabalho. Muitas vezes tenho chamado a atenção para a necessidade de alterar o atual modelo de ‘part time’ e reforçar o valor da dedicação exclusiva, que faz parte da legislação, mas que tem sido pouco encorajada nas últimas duas décadas. Está prevista, para 2023, a criação da figura do médico em “dedicação plena”, com melhor remuneração. É suficiente? Penso que não!
Contudo, há outros aspetos que é importante considerar na organização do trabalho. Senão, vejamos: o encerramento dos serviços de urgência – obstétrica, mas não só – tem sido a face mais visível da progressiva insuficiência do SNS. Mas repare-se bem: o encerramento ocorre quase só aos fins de semana. Porquê? Temos menos médicos no SNS ao fim de semana? Evidentemente, não. Trata-se apenas de falta de coordenação na organização dos horários de trabalho que, como já muitas vezes afirmei, é da exclusiva responsabilidade dos diretores de serviço, que frequentemente a não assumem!
No entanto, tenho que admitir que o assunto é mais complexo. Metade dos quase 20 mil médicos do SNS já ultrapassou os 50 anos. Os dados foram recentemente revelados pelo relatório anual do Ministério da Saúde, onde se destacam outros números que apontam para um envelhecimento da classe médica que permanece no ativo do Estado: mais de oito mil já ultrapassaram os 55 anos, idade em que os médicos podem prescindir de fazer serviço de urgência noturna.
De facto, a lei estabelece que os médicos estão dispensados de urgência noturna a partir dos 50 anos e de fazer qualquer urgência a partir dos 55. Esta prerrogativa advém do disposto no Decreto-Lei n.º 73/90 que, contudo, estabelece que “em função das condições e necessidades do regular e eficiente funcionamento dos serviços, poderão ser adotadas modalidades de horários de trabalho previstas na lei geral aplicável à função pública, designadamente horários desfasados, de acordo com regras a aprovar mediante despacho do Ministro da Saúde”.
É verdade que, como há algum tempo salientou o Bastonário da Ordem dos Médicos, “são muitos os médicos com mais de 55 anos que continuam a assegurar urgências”. Mas não precisamos apenas de muitos, precisamos de todos. Tenho para mim que aos 50 anos qualquer pessoa saudável está no auge da sua vida. Auge físico e intelectual, o que nesta atividade é fundamental. Então, porque estamos a desaproveitá-la? É que devemos lembrar-nos de que a expetativa de vida em Portugal aumentou de 74 anos em 1990 para quase 81 em 2020!
Ai, como eu gostaria de ter hoje 50, ou mesmo 55 anos!

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