Opinião: A energia da dança

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A 18 de Abril de 1850, 200 soldados perderam a vida enquanto atravessavam, em marcha cadenciada, uma ponte suspensa em Angers, França. A soma da energia dos seus passos amplificaram o movimento lateral da ponte, ajudado pelo vento, até ela oscilar descontroladamente e colapsar. O fenómeno é conhecido por ressonância, e o seu exemplo mais comum é o baloiço suspenso onde uma criança se diverte. O impulso do seu corpo soma-se à oscilação natural do baloiço, atingindo alturas cada vez mais elevadas. Num e noutro caso, estamos a falar da energia. A energia cinética que, sincronizada, pode produzir efeitos controlados ou inesperados.
Embora seja a coisa mais importante do mundo, pela qual todos corremos, a energia está mal definida: “é tudo o que produz trabalho”, ou seja, movimento útil. Não falemos da energia potencial, como o petróleo, o gaz, o urânio enriquecido ou mesmo o ATP celular, que são matérias instáveis prontas a produzir energia perante uma ignição apropriada. Nem falemos da energia radiante que, embora alimente os nossos rádios, televisão e telemóveis, continua discutida pelos físicos que ainda não se entendem sobre a dualidade corpúsculo/onda. Falemos antes da energia cinética, a que melhor pode ser entendida por uma pessoa comum. É o caso do baloiço e das oscilações da ponte, mas também da dança.
A dança é o movimento sincronizado entre dois corpos humanos, geralmente orientados pela música. A música pode ainda comandar o movimento de um só corpo, de um grupo ou de uma multidão num grande concerto. E, sem dúvida, pode comandar os movimentos de um batalhão em marcha. Duas pessoas ou mesmo uma família podem sincronizar os seus movimentos consoante a cumplicidade que existe entre elas, dispensando então a música. Duas pessoas que se imitam entre si estarão certamente sincronizados, e essa pode ser a base da empatia e da relação humana. O convívio, o treino ou os ensaios musicais podem levar à sincronização das actividades fisiológicas mensuráveis, incluindo menstruação, respiração, batimentos cardíacos e ondas cerebrais, estas demonstradas no Instituto Max Planck em Munique. E qualquer participante pode testemunhar a energia colectiva que tais actividades proporcionam.
Nestes tempos sombrios do individualismo, dos telemóveis, dos confinamentos, há muitas almas que anseiam por voltar à dança. Procuram sincronias e complementaridades. Procuram encontros, mas também se podem desencontrar, como faz parte da vida. Anulam a energia cinética nos desencontros, somam-na nos encontros. Tal como a música com as suas consonâncias e dissonâncias. Tal como um tango argentino. Tal como a vida.
A partilha do prazer à mesa, na cama ou em amena cavaqueira, também ajuda as pessoas a sincronizarem-se entre si, a acertarem o passo umas com as outras. Mas a simples dança já é um prazer partilhado. Tipicamente, um prazer partilhado pelos pares de dançarinos, mas também pelas mães e seus filhos (danças conversacionais, na designação de Brazelton) ou por grupos de dança em coreografias ensaiadas. Mas também numa simples companhia. Se ela é prazerosa, é porque já entrámos nessa dança sincrónica que amplifica a energia de cada um dos companheiros.

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