Bagagem de escrita: Movimento perpétuo Tailândia-2016

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Chove em Banguecoque. As ruas inundam-se, e pouco depois um mar de chapéus de várias cores e feitios tomam conta da paisagem urbana. Estamos em Junho, mês de Verão no Ocidente, mas aqui é a época das monções, altura em que esta zona do globo é sacudida por temporais de água morna que refresca quem já se sente alagado em suor, do elevado nível de humidade que aqui se faz sentir.

A queda de água é repentina, e tanto surge em força como também acaba por desaparecer da mesma forma quase misteriosa. Não será assim de espantar que muita gente seja indiferente à arbitrariedade do São Pedro nestas terras e faça a sua vida, encharcando-se, como se nada fosse pois daí a momentos saberá que tudo passará e o calor encarregar-se-á de secar a fina camisa que vestem. Procuro refúgio num dos principais palácios da cidade, hoje denominado Museu Nacional. Reina a calma e o respeito. O calçado fica à porta, tal como o ruído dos telemóveis e o burburinho, antes de se entrar numa enorme sala ampla e retangular, a capela Buddhaisawan, de soalho de madeira já erodido pelo caminhar de fiéis e senhores ao longo dos séculos. Os movimentos aqui são feitos quase em câmara lenta. O ambiente de sobriedade paira sobre todos e o impulso de muitos de pegar no telemóvel para fazer mais uma selfie é mais controlado. Os olhos parecem mais atentos no que veem, focados no espaço em redor e não nos ecrãs que sacavam dos bolsos.

                    As nuvens escuras desapareceram, o sol começa novamente a impor-se e faço-me ao caminho. O ambiente perfumado que sai de um grande armazém, a par da curiosidade pela grande agitação que dali se faz notar, levou-me a entrar para dar uma vista de olhos que acabou por ser muito mais prolongada do que estava à espera. Encontrava-me imerso no enorme Mercado das Flores, um microcosmos de cores e odores que se estende por uma área coberta com mais de uma centena de metros. Sobressaem as tonalidades amarelas e verdes das espécies aqui mais abundantes. Tudo isto é mais do que um festival para o nosso olhar, mas também para o olfato. É uma daquelas experiências sensoriais que entra no pódio dos instantes simples que ficam gravados nas nossas melhores memórias de viagem. 

Fazem-se todo o tipo de arranjos para os mais diversos fins, com trabalhadores numa constante azáfama a carregar novas encomendas que chegaram nos seus pequenos carros de mão. A um canto, longe dos olhares do público, avista-se um pequeno exército de trabalhadores cuja função era transformar em milimétricas fatias, como se fossem palitos, um sem fim de plantas de gengibre que estavam em fila de espera como se fosse uma linha de montagem. Junto a eles, uma montanha de sacos aguardaria a sua vez, se bem que já seria jorna para o dia seguinte. Sentados no chão, nas próprias cestas ou em bancos muito toscos, ali passavam o dia a fazer uma atividade tão repetitiva que se assemelhavam a máquinas. A iluminação era fraca, artificial, mas era a luz de que dispunham. Ali passavam desta forma os dias (provavelmente, para alguns, as noites também), num trabalho incessante.

No dia seguinte, a essa hora estaria já bem longe, explorando outra região do país, enquanto estas pessoas, com a vida pendular que eram obrigados a ter, teriam já ali aqueles lugares à sua espera para mais um dia igual a tantos outros para o qual só teriam de ligar o piloto automático e fazer o mesmo de sempre, numa vida de movimento perpétuo que, de certa forma, talvez até nem fosse assim tão diferente do nosso. Só se muda mesmo a função.

 

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