Amílcar Falcão: “Pela primeira vez na história da Universidade, a execução orçamental ultrapassou os 200 milhões de euros”

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DB/Foto de Pedro Ramos

Este primeiro mandato não foi propriamente fácil devido à pandemia.

Tomei posse a 1 de março e passámos a não presencial no dia 9 de março do ano seguinte.

De qualquer forma, apanhou a equipa reitoral desprevenida.

A equipa era toda nova, sem experiência na reitoria. E quando se vem para uma equipa reitoral, é necessário um tempo. Em novembro, dezembro, eu já tinha percebido que ia haver um problema sério. Como sou da área das Ciências da Saúde, foi simples perceber o que estava a acontecer. Já estávamos a preparar-nos, nomeadamente para a passagem de ensino presencial para não presencial. Fomos a primeira universidade a fazê-lo, acompanhados pela Universidade de Lisboa. Foi um trabalho coletivo envolvendo os diretores das orgânicas, envolvendo especialmente a Faculdade de Medicina, as escolas médicas. Fui-me sempre aconselhando com especialistas. E muito pouco tempo depois colocámos o laboratório de Covid a funcionar para a comunidade académica e também para a sociedade civil. Os dois primeiros anos (2020 e 2021) foram muito difíceis porque a passagem para uma situação não presencial obrigou-nos a um esforço muito grande a nível tecnológico. Também criámos uma linha de apoio à saúde mental, porque a maior parte das pessoas não lidou especialmente bem com a situação. E nós tínhamos que fazer o melhor possível. Entretanto – ainda a pandemia não acabou oficialmente –, vem a guerra da Ucrânia.

O conflito gerou um novo tipo de problemas?

Sim. Eu espero que a pandemia não volte, pelo menos com a intensidade que já teve – embora esta questão da China seja preocupante. Mas não estamos, seguramente, tão suscetíveis como estávamos no início. E vamos ver como é que a guerra evolui. Uma coisa é certa: se a guerra acabasse hoje, tínhamos seguramente efeitos colaterais, pelo menos para dois anos. Por causa das questões financeiras, da alteração geoestratégica, mesmo do ponto de vista de relações na área do ensino superior, da investigação, mudou muita coisa e já não voltará para trás nos próximos largos anos ou décadas. Portanto, estamos numa situação completamente diferente.

Além disso, lidou com perdas que abalaram a academia.

No meio de tudo isto, tivemos o falecimento de um membro do Conselho Geral muito relevante, do professor Norberto Pires e, depois, uma enorme fatalidade, que foi a perda do presidente da AAC, o Cesário Silva.

Foi o momento mais difícil deste seu mandato?

Foi. Foi muito problemático. Desde logo, pessoalmente, marcou-me muito porque é uma situação absolutamente única na história da universidade. Porque era um jovem de quem eu gostava muito e que a generalidade das pessoas gostava muito. E porque trouxe um problema acrescido sobre todo o impacto da pandemia na saúde mental dos jovens. De repente, os nossos jovens viram um dos seus falecer e deram-se conta que também podiam falecer. Eu vi como muitos jovens estavam destroçados – e alguns ainda estão. Tenho contacto com alguns dos mais próximos do Cesário que nem sequer conseguiram continuar a estudar no ano letivo anterior e este ano também alguns desistiram. O impacto foi bastante grande. E para uma pessoa que está no cargo de reitor apanhar com tudo isto e com coisas insólitas… Houve uma série de situações atípicas que não se deseja a ninguém.

Dizem que é um reitor pragmático, preocupado em atingir objetivos. Esse pragmatismo também o ajudou nestes quatro anos?

Sim. Sou uma pessoa emocionalmente estável. Aguento bem as situações de stresse. Habituei-me a isso. Naturalmente que não sou imune à pressão, mas nos momentos críticos, sou talvez das pessoas que consegue, de forma mais lúcida, lidar com os problemas. Portanto, manter a tranquilidade e dar força à comunidade académica quando foi preciso, eu penso que o fiz, justamente porque tenho essa estabilidade, esse traço de personalidade. E porque para mim também era muito claro que não pode ser o líder a vacilar. Tive dias e noites muito difíceis, mas tinha uma determinação forte em que a Universidade saísse mais forte, mais resistente depois da fase crítica da pandemia. Nisso, como na vida, sou sempre pragmático. Ouço as pessoas, formo a minha opinião. Geralmente, as minhas decisões são sempre muito bem informadas, ao contrário do que muitas vezes possa parecer.

Apesar da pandemia, a sua equipa conseguiu cumprir 85% do programa. Porque é que se candidata a um segundo mandato?

Por motivos bem diferentes, embora a razão seja a mesma porque me candidatei há quatro anos. Da primeira vez que me candidatei, eu era membro da equipa do anterior reitor, era vice-reitor. E foi claro que quem se posicionava tinha ideias bastante diferentes daquelas que eram as do reitor João Gabriel Silva. Estando eu na equipa reitoral e tendo eu uma linha de pensamento mais próxima do reitor, foi do meu entendimento que deveria candidatar-me, independentemente do resultado. Nunca pensei em “vou ganhar ou vou perder”. Naquele contexto, era-me irrelevante. O que não me era irrelevante era que um dia alguém dissesse que eu era o n.º 2 da equipa, que devia ter-me disponibilizado para ser reitor e que não o tinha feito por cobardia ou por outra coisa qualquer. Não tenho essa personalidade. Tenho um enorme amor pela UC e achei que devia candidatar-me, apesar de saber que, na altura em que eu avancei, a eleição estava perdida. Estava consciente disso. Candidatei-me, fiz o meu trabalho e acabei por ganhar.

E desta vez?

Desta vez também é um bocadinho assim. Apesar de ter concretizado uma parte importante do programa, ficaram coisas por fazer ou, entretanto, apareceram coisas que eu acho que merecem ter continuidade. Para mim, era mais fácil não ser candidato. Porque para quem tem na vida a aspiração de ser reitor, eu não preciso disso, porque já sou reitor. Um segundo mandato não acrescenta nada na minha vida profissional. Mas se eu não fosse candidato, muito provavelmente as pessoas perguntariam por que motivo é que alguém que aguentou tudo o que teve que aguentar em quatro anos, agora abandonava a função. Demorei imenso tempo a tomar a decisão porque quis ver o que é que acontecia. Podiam ter aparecido candidatos interessantes e eu ficar numa posição mais tranquila. Como percebi que não havia movimentações, acho que não era lógico haver um vazio. Portanto, era um dever moral candidatar-me. Hesitei muito porque eu tenho a noção do que é ser reitor e tenho a noção do que é que aí vem nos próximos quatro anos. E quatro anos são muito tempo num cargo de reitor.

Que leitura faz dessa não movimentação? De não ter havido mais candidatos?

Olhe, não faço uma leitura muito positiva, honestamente. A leitura que eu faço é que certamente houve pessoas que pensaram em candidatar-se e que tiveram medo de perder. E foi isso que, há quatro anos, eu demostrei que não tinha. Sempre pratiquei desporto e tenho um espírito muito aberto em relação a estas coisas. Para mim, quando a pessoa se candidata, pode ganhar e pode perder. E quando a pessoa se candidata porque entende que vai ganhar de certeza, ela não será adequada para o exercício da função de reitor. Portanto, acho que o que aconteceu não é um bom sinal.

Em relação ao seu programa, disse que será de continuidade, mas que terá novos vetores. Pode concretizar?

São desafios novos. Eu creio que Portugal já era pequeno para a Universidade de Coimbra. Ainda é mais pequeno agora. Nós, felizmente, desenvolvemos tecnologia para nos tornarmos cada vez mais internacionais – esse é um vetor da internacionalização, que temos que aprofundar mais. E temos que ser mais fortes na investigação do que somos, embora já sejamos bastante mais fortes do que éramos. Depois há outros desafios que são absolutamente claros e que também resultam muito da pandemia e da guerra: a questão da sustentabilidade, da eficiência energética, das alterações climáticas, são aspetos em que a universidade tem papel (ou deve ter um papel) relevante. Eu tenho a cabeça feita nesse sentido e, portanto, irei certamente promover ações nessa área. 
Depois há um aspeto que eu creio que é crucial, que tem a ver com a oferta pedagógica, a inovação pedagógica e a reforma pedagógica. Nós temos que mudar muito a nossa forma de ver o futuro. Essa reforma tem que ser feita. É uma reforma que vai demorar bastante tempo. Mexe com pessoas porque obriga à mudança de mentalidades, mas é uma reforma que tem que ser feita pensando nos próximos 20 anos ou mais. Temos que mudar completamente um conjunto de coisas na universidade. E esse é um trabalho (creio que é um trabalho difícil, mas ao mesmo tempo aliciante), que tem que ser feito. Em 2006, era eu a pessoa que representava a Faculdade de Farmácia quando foi o Processo de Bolonha. Tenho experiência nessa área e quando olho agora para aquilo que nós temos e para aquilo que nós deveríamos ter, vejo muitas alterações em perspetiva. Não sei se vou conseguir mobilizar a Academia para essas alterações, mas pelo menos indicarei o caminho. E depois, se conseguirmos seguir o caminho, espero que tenhamos sucesso. Se não conseguirmos seguir o caminho, isso depois é um problema coletivo.

Mas pode concretizar? Que tipo de alterações?

Muitas alterações. Por exemplo, nós temos demasiados cursos. Temos uma oferta demasiado estática, pouco flexível. Na área de mestrados e doutoramentos, temos muitas situações que são absolutamente inaceitáveis do ponto de vista, até, de racionalidade. Por exemplo: uma pessoa doutora-se e cria uma cadeira de opção. Para quê? Para satisfação pessoal? Ou, por exemplo, ter cursos de doutoramento com muito pouca gente e que consomem imensos recursos. Por um lado, nós temos que racionalizar um conjunto de coisas. Por outro, temos que olhar para a sociedade e perceber que os jovens mudaram. A forma como eles olham para a vida e como olham para o ensino superior mudou muito. Temos que nos adaptar a essa mudança, temos que ser dinâmicos. Nós vamos começar a ver o ensino superior completamente diferente no mundo inteiro. E a nível nacional vamos ter aqui duas ou três coisas muito relevantes, e eu creio que serei, talvez a pessoa mais bem posicionada em Coimbra para trabalhar nessas matérias.

Em que matérias?

Nomeadamente, o financiamento do ensino superior, o emprego científico e a forma como vamos conduzir os próximos quatro anos, num contexto em que, muito previsivelmente, vamos ter 40 e tal universidades e doutoramentos nos atuais politécnicos. E, portanto, isso vai originar uma disrupção no sistema muito grande. Acho que tenho responsabilidade de usar o meu conhecimento a favor da Universidade de Coimbra e tentar que a Universidade de Coimbra, no meio de tudo isto, saia o melhor possível. Creio que isso vai acontecer.

Está a referir-se ao facto de os politécnicos começarem a ministrar doutoramentos?

Não. Isso não me preocupa. Estou a falar da alteração de denominação das entidades.

Para universidades politécnicas, é isso?

Sim.

E em termos de inovação tecnológica?

Isso vamos continuar. As pessoas, em geral, não têm consciência do tamanho e da dimensão que tem o edifício digital da UC, quer do ponto de vista de funcionalidades, quer em relação à componente estratégica. E, depois, há outros componentes que têm a ver com a criação de melhores estruturas da universidade. A requalificação do património – continuar com tudo isto. Portanto, temos muita coisa…

E o Biomed?

O Biomed tem que ser concluído. E espero começar a expansão do ICNAS. A expansão não depende só de mim, mas diria, com um grau de probabilidade elevado, que iremos ter a expansão do ICNAS e construção da Subunidade 2 + 4 da Medicina, que é o que falta para acabar o Polo III e para a Faculdade de Medicina se poder transferir toda para o Polo III. Isso é outro dado adquirido. E no Polo II também criar estruturas que permitam uma maior articulação entre os diferentes departamentos das engenharias. Temos que ter uma marca nas engenharias e temos que ter condições para sermos mais atrativos. Isso exige trabalho, exige alterações no Polo II, mesmo do ponto de vista físico, e isso também vai ter que ser trabalhado com a FCTUC, naturalmente.
E continuar o que estamos a fazer. A recuperar. Nós temos obras na [faculdade de] Psicologia, temos obras na Economia, temos obras do Desporto. Portanto, estamos a recuperar muito património.

Quais são as obras na Faculdade de Ciências do Desporto?

No Desporto está a ser feita uma biblioteca. Fizemos o auditório e iremos fazer mais porque o estádio universitário irá ser intervencionado.
E temos depois a questão territorial: temos o campus da Figueira da Foz, que vai ser obviamente alvo de investimento bastante forte. Porque eu acho (e espero não estar enganado), que hoje já é uma peça da UC, mas daqui a uns anos largos será uma peça imprescindível para UC.

Em relação à sua futura equipa, haverá grandes mudanças?

Não é um assunto que neste momento esteja em cima da mesa. Está na minha cabeça, mas não está em cima nem desta mesa nem de nenhuma. Tenho que pensar no assunto mais à frente. Neste momento ,tenho uma audição pública e privada com o Conselho Geral, que é o próximo passo. Depois há uma eleição a 6 de fevereiro. Depois pensarei nesse assunto.

Qual foi o momento mais feliz no seu mandato?

Houve momentos bons, mas não consigo identificar o momento. Não houve nenhum momento em que a minha felicidade fosse tão grande, tão grande, tão grande… Houve, por vezes, pequenas notícias – algumas até nem se conhecem –que me deram alguma satisfação. Mas a maior satisfação foi termos conseguido ultrapassar a pandemia sem ter havido um surto real na universidade, garantindo as ferramentas para que as pessoas acabassem os seus cursos ou fizessem as suas teses. Portanto, eu acho que, nesse sentido, apesar de tudo aquilo por que passámos e chegar ao momento de hoje… Olhe, por exemplo, um número que soube há poucos dias: pela primeira vez na história da Universidade, a nossa execução orçamental ultrapassou os 200 milhões [em financiamento competitivo]. Portanto, no contexto em que vivemos a todos os níveis, é um número extraordinário. E porque é que atingiu este valor? Porque tivemos muito sucesso, temos tido muito sucesso nas candidaturas europeias de investigação e, portanto, isso deixa-me muito satisfeito.

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