Opinião: Sobre o peso do mérito

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Já poucos se lembrarão quando, em setembro deste ano, após denúncia, foi noticiado o facto de ter sido admitida uma candidatura pelo contingente especial de “descendentes em linha reta de beneméritos insignes” nos resultados de acesso ao mestrado integrado em Medicina na Universidade Católica Portuguesa. O tumulto público originado fez correr tinta mas, fundamentalmente, evidenciou o que há muito se sabia: que os portugueses olham com exigência para o acesso ao ensino superior e exigem-lhe que corresponda a critérios inquestionáveis de justiça social.
Talvez por isso mesmo seja sempre tão sensível qualquer intervenção sobre este assunto. Assim o foi durante a pandemia, quando os atores políticos se viram confrontados com a necessidade de reduzir o número de exames nacionais por forma a garantir condições de mitigação de riscos. Assim o será este janeiro, quando o sistema for objeto de revisão, conforme anunciado no Parlamento na passada semana pela Ministra da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior.
O estudo e análise sobre o acesso ao ensino superior têm vindo a ganhar popularidade em todo o mundo. A perceção clara de que diferentes modelos de acesso ao ensino superior têm repercussões diretas ao nível da justiça social do acesso à formação avançada tem despertado uma nova vaga de reflexão sobre como cada país estrutura o acesso ao seu maior elevador social. Portugal não é diferente.
Com todas as suas imperfeições o sistema de acesso português – nas suas diferentes configurações – conseguiu granjear uma elevada confiança no sistema e na sua justiça mas, fundamentalmente, garantir um sistema de seriação aceite e confiável que ao longo de décadas tem permitido ordenar as preferências dos candidatos para um número de vagas limitadas.
Se este modelo tem sido importante para o desenvolvimento e gestão cuidada dos recursos finitos do sistema de ensino superior, dando sinais de progressiva adaptação, não deixa de ser verdade que ele merece ser constantemente avaliado e moldado, por forma a que a sua justiça possa ir sendo aprofundada e possam ser corrigidos os vieses que o sistema vai identificando.
É uma constatação afirmar que os constantes alargamentos da oferta formativa e da cobertura da rede de ensino superior que temos vindo a conquistar nos exigem a análise e avaliação dos fundamentos do sistema, procurando compreender se os mesmos se mantêm sólidos e estáveis. Mas, de igual modo, será pouco surpreendente que se reconheça que o modelo de acesso ao ensino superior é, desde há muito, uma das questões centrais nas discussões sobre o sistema português.
Por muito que as discussões em torno do sistema educativo português sejam caricaturalmente reduzidas à ficção de uma via facilitista por contraposição a uma via da exigência, a verdade é que é hoje socialmente indiscutível o enraizamento do princípio republicano de que a equidade no acesso por via do mérito deve prevalecer.
Importa olhar para esta discussão com a responsabilidade de quem sabe que a alteração de sistemas de seriação tem sempre impacto na ordenação dos candidatos, que encontram neste momento um momento determinante das suas vidas. Mas importa também ter a clareza de espírito para reconhecer as iniquidades geradas por falhas do sistema que perigam a justiça deste modelo.

A minha actividade durante a semana passada
A minha semana foi marcada pela audição à Ministra da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior e pelas audições do Grupo de Trabalho para a valorização do Ensino Superior Politécnico.

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