Opinião: O Natal ou a vida

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O Natal é um começo. Por significar um cíclico e sempre renovado regresso ao mais mítico dos lugares: a infância.
Na infância somos, ou sentimo-nos, cuidados de verdade, num universo de adultos solícitos, atentos, dadivosos. Quem não teve, ou imaginou ter, uma infância assim, perdeu em larga medida o sentido da vida.
Estar no Natal, viver em estado de Natal, significa, assim, construir um modo de ser hospitaleiro dominado pela amabilidade e pela afabilidade. Significa não cindir os dias em esferas estanques de trabalho e de vida. Viver é muito mais que trabalhar. Trabalhar é muito longe de viver.
Natal é presépio. Não é árvore nem Pai. O presépio é o local da vida simples, frugal, anónima, despojada. O lugar do frio, da palha, do bafo dos animais, da fragilidade, da ternura. E do calor da presença do outro. Do inextinguível fogo do cuidado do outro.
No presépio os reais presentes não são o ouro, o incenso e a mirra. São a solicitude amorosa dos pastores, de José e Maria, dos friorentos animais. Pois se os Magos sabiam de um Rei, os pastores e os animais não. As prendas materiais dos Magos não são gratuitas, porquanto transportam uma expectativa de sinalagma e de recompensa.
Os presentes dos pastores são o estarem presentes. Ali, numa noite gelada, numa manjedoura, com desconhecidos, numa comunhão de pobreza e de humanidade.
O Amor dos desconhecidos, porque radicalmente gratuito, é infinitamente elástico, perdura no tempo e além do tempo, é inconsumível.
Amar não é consumir. Amar não é consumir o outro. Amar é viver no outro, estar com o outro.
O amor é estranho ao mercado. O mercado mata o amor.
Periódicas árvores saturadas de luzes e de prendas não nos salvarão. Como não nos salvará a periódica visita de um barbudo de vermelho vestido, mercantilmente roubado a mitologias nórdicas, com o seu carregamento de vistosos e inúteis embrulhos.
Viver não é estar num eterno Black Friday. Viver é regressar, todas as horas, ao lume, real, imaginado ou imaginário, da infância. Estar a uma lareira sempre viva, a uma mesa sempre posta, a uma porta sempre aberta.
Viver não é um passeio ao centro comercial. Viver é encontrar a doçura infinita da noite e do frio, num estábulo, na amabilidade e hospitalidade de perfeitos estranhos.

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