O Natal por aqui é um dia tranquilo, normalmente muito quente com temperaturas acima dos 30º. Em pleno verão, na África do Sul, as grandes metrópoles no interior do país esvaziam-se das suas almas nesta quadra festiva em peregrinação à procura da brisa fresca, no litoral. O silêncio que fica para trás permite sentir até o respirar da vasta natureza verde que nos rodeia. O vagar do tempo convida à reflexão, e, no dia de hoje, os sul-africanos vestem o Natal de ‘Ubuntu’.
Na ética ubuntu do povo deste território, que os cientistas acreditam ser o berço da humanidade, o objetivo primário na vida deve ser a realização plena individual da natureza humana: “Todos nós somos alguma coisa na vida através dos outros”.
Nesse sentido, a valorização de relações em comunidade e harmoniosas, consiste em demonstrar solidariedade através de um sentimento de união, cooperação e entreajuda, por simpatia e para o bem do próximo.
Por exemplo, Ubuntu não é entregar um cheque ao povo carenciado para dividir lá em casa uma posta de bacalhau nesta quadra festiva, enquanto o partido governante transmite pela televisão como se esbanja a coleta fiscal extorquida ao mesmo povo carenciado numa almoçarada de Natal entre os camaradas.
Na ótica do arcebispo sul-africano da Cidade do Cabo, Desmond Tutu, essa é uma visão negligenciada da dignidade humana, porque a verdadeira demonstração de Ubuntu é: “Eu participo, eu compartilho”.
Nos seus ensinamentos sobre humanidade, justiça, harmonia e reconciliação, Tutu rejeitava também a ideia, hoje prevalecente nas sociedades ocidentais, de que a valorização do ser humano passa pela autonomia: “Somos diferentes para que possamos reconhecer a necessidade da nossa dependência uns dos outros, pois ninguém é autossuficiente. A pessoa completamente autossuficiente seria sub-humana”.
Na interpretação do académico sul-africano Thaddeus Metz, o que confere dignidade ao ser humano não é a independência, mas sim a sua interdependência neste planeta, salientando a “capacidade de participar e partilhar com os outros”. Este conceito africano de dignidade humana, segundo este académico, está muito longe de ser entendido por muitas sociedades fora da África subsaariana.
Desde o fim do Mundo, quero desejar a todos um Santo e Feliz Natal, e um 2023 repleto de muita saúde, paz e humanismo.