Opinião: Democracia e oligarquias partidárias

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Karl Jaspers, em 1965, de modo profético, alertava para os perigos da transformação das democracias ocidentais em oligarquias partidárias. A realidade não tardou a dar-lhe razão. Recorde-se a década de 70 e os seus anos de chumbo, com a estudantil revolta antiparlamentar a encontrar vias de fuga no terrorismo urbano do Grupo Baader-Meinhof, da ETA, do IRA e das Brigadas Vermelhas, na ressaca do efetivo falhanço das utopias do Maio 68.
O quadro político europeu, em 1965, no entanto, em nada fazia prever a violenta contestação armada ao parlamentarismo dito burguês. Direita e esquerda democráticas dominavam o horizonte político, organizadas em partidos de centro-direita, como as democracias cristãs, e de centro-esquerda, social-democratas e socialistas democráticos.
O Estado Social, a integração europeia e o consenso keynesiano pareciam constituir um definitivo lastro da consolidação democrática, da paz social e do desenvolvimento económico de um continente ainda a lamber as feridas das pulsões fascistas e nacional socialistas.
Mas Jaspers inquietava-se. Sabia, de experiência vivida, da fragilidade das democracias representativas, da sua fácil captura e destruição pelos extremos catalisadores de desencantos, de medos e de desesperos.
Não foi ouvido. E vieram os anos de chumbo, a desaparição das democracias cristãs e do capitalismo social, o neoliberalismo e, sempre latentes, os presentes demónios populistas e nacionalistas.
O remédio para salvar as doentes democracias parlamentares não é a demonização desses reais demónios. É, seguindo a prevenção de Jaspers, a transformação democrática dos opacos aparelhos partidários.
Não há democracia sem partidos. Não há democracia sem competição partidária e concorrência ideológica. Só a democracia representativa – e nunca a participativa, ainda que mascarada de corporativa, orgânica, direta ou popular – é autêntica, ainda que, pela natureza das coisas e dos homens, sempre imperfeita, democracia.
Os partidos são os mediadores da vontade popular. São-no, apenas, pela impossibilidade fática – por razões de demografia e de urbanismo – da expressão e exercício diretos dessa vontade popular.
Quando os partidos esquecem essa humilde condição mediadora e se convertem em puras máquinas de obtenção e de manutenção do poder, quando, numa palavra, a democracia se degrada em governo do aparelho, pelo aparelho, para o aparelho, já nos encontramos à beira do fim da ilusão democrática.
Porque a democracia, como os homens, está sempre pronta para morrer.

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