bagagem d’escrita – Uma ponte sobre o rio Kwai (Tailândia – 2016)

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Foto de José Luís Santos

O barulho ensurdecedor do tuk tuk que me leva ainda de madrugada para a estação ferroviária de Noi, em Banguecoque, será o meu segundo despertador para eu acordar de vez. Reparo, em menos de um único quilómetro percorrido, que o verdadeiro acordar surge com a injeção de adrenalina que vou apanhando enquanto vou ziguezagueando por esse trânsito infernal sempre a crer que a próxima ultrapassagem ou o virar da esquina serão fatais. O coração bate forte, os nervos quase me levam ao descontrolo, mas tudo acaba bem, no destino pretendido.
Faço tempo enquanto o comboio não parte. Passeio pelo mercado que se encontra numa zona atarracada que bordeja a estação, mas que vale a pena dar uma vista de olhos, nem que seja pelo odor perfumado da fruta fresca que ali se vende e que nos abre o apetite. E é assim que, do nada, se dá forma e sabor a um pequeno almoço improvisado à última da hora, mas que fica no top 10 dos melhores que me souberam neste país.
Numa das janelas do comboio, um monge budista fitava a paisagem com um sorriso sereno que lhe faz sobressair as rugas que atestam a sua idade avançada. Todo esse cenário me chamou a atenção, e arrisquei em aproximar-me e a meter conversa. Não houve grande comunicação verbal, mas ficou subentendida a sua simpatia e simplicidade no modo como nos abordámos. Muitas vezes, numa viagem comunicamos com desconhecidos sem falar, mas os olhares, os gestos ou um sorriso são muito mais do que suficientes para dois seres humanos se conhecerem e entenderem. Também ele ia para o mesmo destino que eu, Kanchanaburi, a cidade que se tornou famosa pela construção da ponte sobre o rio Kwai, imortalizada no cinema por David Lean em 1957.
Ouve-se finalmente o apito do chefe de estação a indicar a partida. Lentamente, os passageiros que estavam cá fora para tentar apanhar uma brisa de ar que não fosse tão quente e húmida vão entrando para as carruagens e o comboio começa a mover-se muito lentamente, como que a espreguiçar-se. Ainda nos primeiros quilómetros, sinto-me a fazer uma viagem ao passado. A locomotiva apita estrondosamente e avança em plena força ferrovia fora enquanto crianças e adultos vão acenando efusivamente ao cavalo de ferro e aos seus passageiros.
A alegria de ir à janela é contagiante, mas pode ser fatal. À medida que se vai abandonando o centro da cidade, o nível de vida das populações vai descendo. As casas, ora parecem cogumelos que brotam no meio da selva pantanosa como são também a regra nos terrenos junto à linha, com telhas de zinco que quase raspam no comboio, junto às janelas, o que nos faz temer pela própria vida. Nestas quatro horas de viagem veem-se campos de vários tons de terra, junto do habitual fundo verde da selva.
Não perdi tempo à chegada. Aluguei uma velha bicicleta e pedalei rumo à Ponte do rio Kwai, um colosso de aço que se estende por várias centenas de metros ao longo de um rio que mudou de nome por causa do filme. Consta que o nome original era Mae Klong, mas os técnicos de Hollywood enganaram-se nesse detalhe e foi assim apresentado. Quando se tornou mundialmente conhecido, o governo tailandês decidiu então mudar o seu nome para assim esta ponte estar, de facto, no que a tornou popular. A sua estrutura já não é a original, tendo em conta que foi reconstruída após os bombardeamentos aliados em 1945, mas parte ainda é a de origem. O comboio ainda lá passa, experiência que viveria dias depois, mas nesse momento a minha satisfação foi mesmo contemplar aquela majestosidade, coroada com a beleza natural de todo o espaço em redor.

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