Na passada terça-feira, à entrada da sessão da Assembleia Municipal de Coimbra, era visível de longe uma mancha de camisas azuis colorindo a escadaria branca da Igreja de São Francisco. Eram trabalhadores dos SMTUC, os Serviços Municipalizados de Transportes Urbanos de Coimbra, reavivando as cores da democracia perante um órgão chamado a decidir as suas vidas. Marcaram um plenário para aquela hora usando o direito, que a democracia conquistou, de cerrar fileiras sempre que uma ameaça desponta. Às vezes é preciso assinalar que a democracia não se esgota na escolha anónima em urna apropriada. Às vezes é preciso recordar os eleitos que a “classe política” não existe, e que as “elites” são uma ilusão desnecessária. A presença dos trabalhadores dos SMTUC na sessão da Assembleia deixou bem claro que o compromisso dos eleitos para com os eleitores não se esfuma no exato momento do fecho das urnas – dura os dias todos da vida democrática.
A movimentação dos trabalhadores dos SMTUC pela salvaguarda dos Serviços é luta pela defesa de motoristas, mecânicos e demais pessoal, mas é também luta pelo direito à mobilidade de todos os munícipes de Coimbra num concelho em que centro e periferia possam ser apenas nomes de paragem, servidos de transporte por igual.
Aberta a sessão, falou primeiro um trabalhador dos SMTUC. As palavras saíram emocionadas: “eu estou aqui em representação de todos os funcionários dos SMTUC, devido à situação em que estão os SMTUC”. Dirigiu-se aos presidentes das Juntas de Freguesia, interpelou os autarcas, manifestou preocupações com o destino dos Serviços. Proferiu a mais importante das intervenções da sessão, por ser voz que partiu do lugar de condutor, do posto de mecânico, da secretária do assistente técnico, da própria voz do passageiro. Por isso não poderia ser optimista o relato que daria conta das amarguras da eliminação das categorias profissionais, das avarias do material, da insatisfação dos utentes perante o desinvestimento crónico nos SMTUC. E só poderiam ser de preocupação as palavras de quem não encontra, no discurso governativo, mais do que relatórios de défice, como quem ignora que o transporte público nunca é prejuízo – é sempre investimento vital.
“Internalizar para melhor gerir”, afirmou o Executivo municipal, mas sem explicar de que modo. Como se a absorção dos SMTUC pela estrutura municipal fosse, por si só, capaz de solucionar os problemas de gestão que determinado conselho de administração não consegue, pelos vistos, resolver. Desenterraram-se os dossiês do passado, as acusações ao passado, as queixas, as culpas, os nomes do passado, mas do futuro ficou tudo por dizer: nem que contas, nem que estratégia, nem que medidas, nem que articulação com a Metro Mondego, nem o quê no lugar da ferrovia. A esperança, apenas, em que dos lados do nevoeiro da internalização pudesse surgir um D. Sebastião salvador, porventura igual aos inúmeros milagreiros que vêm destruindo os CTT, a CP, a TAP, o SNS, a escola pública e todas as conquistas da democracia que, feridas por gestores habilidosos, nos vão deixando mais pobres e mais zangados. Os SMTUC, para já, permanecem SMTUC. Mas vai ser preciso lutar por eles. Vai ser preciso lutar por nós.