Opinião: “Coimbra minha”

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Há mais de vinte anos que vivo num vai-e-vem. De Lisboa a Bissau, pela Alemanha e Argentina, Macau e Dakar, ou hoje no país do sol nascente. Não fosse eu falar de Coimbra sempre que a situação me permite (e mesmo quando não permite…), muitos poderiam pensar que esta cidade, eternamente minha, se fosse desvanecendo na minha cabeça, ou mais grave, no meu coração.
Não se escapando da minha memória, como estas crónicas tanto podem atestar, toda uma juventude e formação, as corridas de miúdo, as descobertas da adolescência, as aulas no D. Maria e na Universidade, a família e amigos de toda uma vida, procuro não só reviver os momentos passados, mas criar novas impressões sempre que regresso a Coimbra. Assim foi este mês, e pude novamente galgar os mesmos passeios que, há mais de vinte anos, venho a percorrer apenas de tempos a tempos. Confesso-me, entristece-me dizê-lo, profundamente desiludido. Coimbra está irreconhecível.
Não é raro a inocência da juventude impregnar memórias de uma doce pureza que nunca, na verdade, existiu. Os sabores são sempre mais doces, as cores mais vivas, a vida mais bela nas lembranças de miúdo. A natural marcha do progresso transforma as cidades, brota prédios onde campos solarengos jaziam, em que corríamos, namorávamos e ríamos. As praças mudam, os mapas redesenham-se e, com eles, segue uma parte de nós. Mas não posso atribuir à nostalgia o sentimento de tristeza que sinto quando vejo aquilo em que Coimbra se tornou. Não é essa marcha de modernidade impessoal que criou a impressão, mas o seu inverso e cruel percurso – o total abandono de uma cidade que de histórico tem tudo, mas de futuro, se nada mudar, muito pouco.
O país todo mudou, é verdade. Também o Porto ou Lisboa são, por vezes, irreconhecíveis para muitos dos seus antigos munícipes. Força do turismo, fruto da gentrificação, muito mudou na capital e na Invicta, mas essas forças trouxeram, em igual medida, modernização, requalificação e investimento, sem descurar o louvável esforço dos seus cidadãos e das suas autoridades que souberam aproveitar os ventos que lhes sopraram.
Já aqui escrevi, a propósito da Académica, da longa marcha de Coimbra para a irrelevância. Apontei então nos desenvolvimentos desportivos uma trágica síndrome dessa marcha. Esta passagem por Coimbra confirmou o diagnóstico. A Alta de Coimbra, Património Mundial da Humanidade desde 2013 e que deveria fascinar os visitantes, deixa antes a marca indelével das paredes pichadas, ruas sujas e espaços emblemáticos fechados.
Exige-se um esforço por parte de todos os conimbricenses, das suas instituições de ensino – das escolas primárias à Universidade –, das suas autoridades, das forças políticas de todos os campos; exige-se um sentido de cidadania e propriedade; mais que tudo, exige-se um sentido de orgulho por aquilo que foi nosso e deveria, um dia, voltar a ser: uma cidade de Coimbra digna de si mesma.

Pode ler a opinião na edição impressa e digital do DIÁRIO AS BEIRAS

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