Opinião: A liberdade é um bem essencial. É frágil

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Há já algum tempo que as semanas antes do primeiro fim-de-semana de setembro se mostram movimentadas. Grande há-de ser a razão de subversão daquela calma que deu boa fama ao mês de Agosto. O certo é que nem o apelo do fresco oceano nem o inferno da “época dos incêndios” (que envergonha quem assume o calendário) distrai os influenciadores-da-opinião-alheia. É deles a laboriosa função da insistência. Estes angariadores de consciências – e, no limite, de opções –, vão fazendo jus ao ensinamento popular segundo o qual “água mole em pedra dura tanto dá até que fura”. Sem assinalável resultado, assinale-se, reunindo em seu redor de insultadores de matizes variados e pouco mais.

No primeiro fim de semana de Setembro, desde há 46 anos, ergue-se junto ao Tejo (em muitos lugares, mas sempre junto ao Tejo) uma realização política e cultural que chama às suas alamedas gente militante e (muito mais) gente que não o é. Aquele é o mundo como se quer que seja: um mundo de lugares em que todos têm entrada, sem que nenhuma intimidade lhes seja pedida em troca. Como nos templos das religiões históricas, em que os não crentes podem entrar sem mais compromisso do que o do respeito, que é regra das relações humanas saudáveis. E entrarão aqueles tantos, num e nos outros lados, por haver o que os interesse – quase sempre por razões culturais – e talvez também pela paz, a ausência de pressas, a serenidade de poder caminhar entre muitos com a confiança boa de que estamos desabituados.

Neste país em que a “formiga no carreiro” (a da fábula de José Afonso) foi ouvida por um movimento de capitães, e pelo povo que o acompanhou, o essencial das liberdades fundamentais não foi ainda ofendido. Por isso é que todas as tentativas de proibir, de censurar, de limitar, se vêm confinando no delírio programático de arautos de uma “ordem” igual à dos rebanhos: um manda, os outros obedecem, sendo preciso o cão morde. Percebe-se, até, que a tendência para a deificação das “lideranças” torne natural o traço de fanatismo em que o mais pacato cidadão comum se transforma em adepto de super-heróis, em que a procura do “bem” usa e abusa das armas de fazer o mal (há um filme – “A Onda”, do realizador alemão Dennis Gansel – que retrata exemplarmente esta tragédia da transfiguração do humano em desumano).

Até aqui tudo bem, mais incidente menos incidente. A situação só começa a descontrolar-se quando se produzem, perante a geral indiferença, sinais como aquela primeira página de um jornal, em que trabalhadores das artes – e como tal comprometidos – são denunciados (acusados) com fotografia e nome, enrolados no sangue das vítimas que não fizeram, marcados com um zê na lapela que há-de ter sido desenhado por mão herdeira daquela que pregou estrelas de David no peito dos judeus, há tão pouco tempo ainda. O objeto gráfico em causa – todo um programa de acção – persegue uma estratégia de simplificação da mensagem, que é o elemento vital da barbárie. Percebe-se a intenção: em nome da liberdade há que alvejar a liberdade; em nome da justiça há que instalar a injustiça; em nome da verdade há que abrir espaço à mentira; em nome da democracia há que ofender a democracia. São imagens apenas, dir-se-á. Mas mal. São sementes de ódio, de desesperança e de medo.

Não se assustaram os artistas com a arma da calúnia apontada ao peito. Talvez por serem filhos de um tempo histórico português em que a violência política é, por enquanto, uma anomalia. Mas um deles, oportuno, avisou que “o medo é o grande controlador da Humanidade. Talvez por sermos tantas vezes o reflexo daquilo que os outros projetam em nós, a nossa cobardia é a máscara perfeita para aqueles que querem silenciar as nossas vozes”. Indignemo-nos, pois. É que há luxos de violência mediática que não podemos deixar de assinalar, a menos que queiramos que o poema do Fado Abandono, do reportório de Amália, seja outra vez o retrato de nós.

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