Se há coisas sem as quais não poderíamos viver, são as árvores. As árvores dão-nos tudo. Dão-nos sombra e frescura para nos abrigarmos do sol, mas também nos abrigam da chuva. Dela extraímos a lenha para fazer fogo ou madeira para construir, a resina para produtos químicos, a casca para usos diversos, a fruta e as folhas. O corte de uma árvore sugere-nos uma circunferência, e com ela fizémos a roda, com a qual galgamos distâncias. E foi nas árvores que os nossos antepassados chimpanzés ganharam a destreza que nos permite usar braços e pernas de uma maneira flexível e independente. Isto não encerra os múltiplos usos que fazemos de uma árvore, todos eles referidos a um objecto que podemos nomear, desenhar, representar ou observar. Trata-se apenas de uma árvore.
Para conhecermos as árvores, nem sequer precisamos de ir à floresta. Elas estão na nossa cabeça, e basta estar em casa para lidarmos com os seus vestígios. Estão por todo o lado, mas não na sua forma original. Em geral, contactamos com a sua textura, a temperatura ou mesmo o cheiro da mobília de madeira que nos cerca. Mas a árvore em que podemos pensar é outra coisa. Podemos observá-la de longe ou imaginá-la. É uma coisa única na sua representação. É um objecto significante que formamos na nossa cabeça e ao qual atribuímos significados diferentes consoante os usos que podemos fazer dela.
Os humanos, ao contrário dos outros animais, têm a capacidade de perceber que um conjunto de artefactos que usamos no dia a dia derivaram daquele objecto primordial a que chamamos árvore. E podem saber exactamente como, desse objecto, se constroem os artefactos, estabelecendo assim nexos de causalidade. Como foi isso possível? – Através da palavra. Uma simples palavra – árvore – estabiliza na nossa cabeça a representação de todas as árvores do mundo, não obstante as diferenças entre elas e sem a necessidade de as estarmos a observar.
A maior conquista humana foi a linguagem. Com ela e a sua articulação, todo o mundo pode estar, ordenado e lógico, na nossa cabeça. O mais interessante, porém, é que toda a linguagem se processa numa pequena parte do cérebro, geralmente na metade esquerda, do mesmo modo que um pequeno computador o pode fazer. Foi isso que nos tornou humanos. Mas a aventura começou com a construção social das linguagens – desde as palavras aos símbolos matemáticos – talvez antecedida pelo uso assimétrico das mãos enquanto lascávamos a pedra.
Todo o restante cérebro não é estruturalmente diferente do dos outros animais, sobretudo desde que eles se lançaram na aventura de abandonar o fundo dos oceanos. Neles está inscrita toda a evolução da vida, observada pelo pequeno computador do nosso cérebro. Dessa observação discriminativa resultou a palavra árvore, mas também a palavra peixe, mamífero, animal, cérebro, neurónio, ligação nervosa e electrónica, ondas hertzianas, bem como a imaginação e construção do computador, satélite, internet, inteligência artificial, e de toda esta panóplia que cada vez mais nos aproxima através da comunicação imediata, mas que cada vez mais nos afasta da natureza que nos forma e à qual ainda pertencemos.