No passado dia 17 de abril foi publicado em França o decreto n.º 2022-562 “relativo ao estatuto particular dos agentes diplomáticos e consulares” e que vem, na prática, extinguir a carreira diplomática naquele país. Significa que cerca de 800 altos funcionários do Quai d’Orsay, incluindo 182 embaixadores e 89 cônsules, serão reunidos a partir de 1 de julho num único estatuto atribuído a todos os altos funcionários, o de administrador do Estado.
Neste posto de “administrador”, os diplomatas poderão passar de um ministério para o outro ao longo da sua carreira, convivendo, no mesmo plano, com inspetores de finanças, quadros-superiores da energia, agricultura, alimentação ou, quem sabe, pecuária, que poderão reivindicar um posto diplomático em absoluta igualdade. Tudo isto me faria rir se não fosse para chorar. Ver a carreira diplomática francesa, uma escola de elite a nível mundial, cair neste ridículo, é entrarmos num caminho
perigoso. Começa pela França, espalha-se pela Europa e rapidamente chega a Portugal – adoramos, de quando em quando, copiar ideias abstrusas.
Mas, tudo isto é também culpa nossa, dos diplomatas, caros leitores. Ao longo dos anos temos sido caricaturados como “aqueles” que vão passando por geografias mais ou menos distantes, à custa do contribuinte português,
com boas casas, carros e todas as despesas pagas. Nada de mais errado. Connosco potenciam-se sempre os problemas (começa por exemplo, por distinguir nos media um vice-cônsul ou um cônsul honorário, de um diplomata…) e diminuem-se os êxitos, que são normalmente de outros. Reduzimo-nos e sujeitamo-nos ao papel do bom rapaz. A nossa Associação Sindical é simpática. A nossa estratégia de comunicação interna e externa também não ajuda. É antiquada e servil.
Tudo isto para vos dizer que num mundo onde a instabilidade impera e se torna a regra, ter um corpo sólido e estável de diplomatas é uma necessidade imperativa para o nosso país. Ninguém nasce diplomata. Estudamos ao longo da nossa vida para cada vez melhor servirmos o Estado e a nossa bandeira. É com orgulho que faço parte de uma geração que participou de um concurso público absolutamente anónimo, com 2000 candidatos em pé de igualdade, para aceder à minha profissão. Os selecionados seguiram uma carreira em que, ao longo do tempo, foram aperfeiçoando os amplos predicados da diplomacia.
É difícil de acreditar que um qualquer funcionário da administração pública possa, em nome de supostas “diversidade” ou “funcionalidade cruzada” (!), desempenhar as funções de diplomatas, sem preparação, e sem condições de competências. Esta profissão, tão desafiante como exigente – são inúmeros os sacrifícios pessoais e familiares (sim, familiares) que um diplomata tem de fazer ao longo da carreira – constrói-se no somatório da formação e das experiências, e o seu desempenho é tão
mais profícuo quanto mais possa assentar numa base de continuidade.
Estou solidário com os meus colegas franceses. Neste mundo em permanente mudança, não há espaço para uma diplomacia de paraquedistas. O mundo não está para amadores.