Opinião: Cinquenta

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As luzes que tingem o céu da Ucrânia não são de estrelas cintilantes. São de tiros fulgentes disparados às ordens dos senhores da guerra. São tiros que deixam um rasto fugaz que se precipita em vertigem sobre os escombros de destruição. A luz fraqueja. Os corpos tombam. Resistem e tombam. Depois são depositados na terra, onde o ocaso tapa a cara de mãos envergonhadas. Os corpos ficam sem nome. Chamam-lhes aos corpos da guerra.
Porquê? – perguntam as crianças, cujos olhos estão ainda limpos. Por causa da luta pela posse da terra. Fico a pensar como seria bom que a terra não fosse dos homens, mas que, ao invés, pertencessem os homens à terra.
A guerra lançada pela Rússia vem devastando o território ucraniano há cinquenta dias. Desde que foi lançado o primeiro tiro, no dia 24 de fevereiro de 2022, milhares de pessoas perderam a vida. Entre elas crianças. Prevê-se que em breve o número de refugiados chegue aos dez milhões. O frio russo gelou o sangue aos oligarcas que se alimentam do gáudio gerado pela agressão.
Sob suspeita de uso de armas químicas, a Rússia já admitiu poder recorrer também às armas nucleares, apontando implacavelmente para o horizonte onde uma guerra mundial espreita no cume do Kremlin. Entretanto vai galopando a afronta. Armas explosivamente letais vão sendo largadas nas cidades, nos bairros, nas ruas, contra escolas, teatros e hospitais. Porquê? – perguntam as crianças, cujos olhos estão ainda limpos. A igreja ortodoxa russa apoia esta guerra. Come os restos de si própria. Até não haver mais.
Os senhores da guerra fingem o diálogo. Nas intermitências das palavras tombam mais-e-mais. As perguntas prosseguem sem resposta: Isto vai durar quanto tempo, termina quando, acaba de que maneira? E as crianças, cujos olhos estão ainda limpos, perguntam porquê.
Antigamente, era o mais forte que vencia a guerra. Hoje, os bastidores constituem uma guerra paralela. A sociedade global e as suas redes sociais agem como pressão. A força bélica russa até poderia conquistar todo o terreno. Mas o mundo ocidental isolou-a. Brotou uma opinião generalizada contra si. Os oligarcas patrocinadores da guerra começam a ver-se cercados. A resistência ucraniana não cessará. O povo não desistirá de lutar. Isso será um obstáculo às pretensões russas. Por isso, este conflito poderá durar ainda por muito tempo.
O povo russo – aquele que está sob o domínio do desequilíbrio insano do seu líder – também sofre, também é hostilizado, ameaçado, preso. A história vem mostrando que a loucura dos que se sentam na cadeira do poder pode fazer grandes estragos. O poder dos homens dementes conduz a regimes de possessão. Seja onde for, seja numa empresa ou num Estado, num país ou numa cidade.
Seria simples se todos entendessem que não há um caminho para a paz. A paz é, ela própria, o caminho. Não há outra forma de sair daqui. Não há outra forma de salvar o mundo.

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