Opinião – Eu, miniaturas e futuro

Posted by
Spread the love

O eu ganhou espaço e o eu protegido por normas, o eu condicionado por certificações, o eu almofadado por regulamentos está cada dia maior. Como explicou há trinta anos Jean Baudrillard, o eu é cada vez mais duas coisas- egoísta e incluído na manada. As linguagens e as roupas e as tatuagens identificam o género e dentro do estilo, o eu cresce em extravagância e especificidade. Estes eus estão no instagram e noutras redes sociais, vendendo-se como mercadoria e projetando-se como exemplos. São modelos de uma vida sem curriculum, sem percurso, mas representam um cuidado estético, uma dedicação ao corpo, uma garantia de seguidismo de regulamentos e zero pensamentos críticos. Isto funciona e resulta em produção de dinheiro pelo que estas miniaturas «euacho, euacredito, eudefendo» tornam-se enormes, fecham a visibilidade do que observam, batem a porta da discussão.
As miniaturas são o futuro desta população eu. A miniatura vai permitir uma revolução no mundo e ela é construída por não pensadores, apenas por criativos e competentes técnicos de informática e de engenharia. A maior revolução que projectou o eu foram os telemóveis multiusos e agora ele vai ocupar o espaço social e modificar as instituições. Os telemóveis transportam a capacidade de gravar música em pistas múltiplas, podem converter a medicina de consultório numa capacidade enorme de métodos complementares. Hoje a ecografia é uma pequena sonda que por wi-fi se completa com o telemóvel. Hoje três gotas de sangue e um aparelho similar ao do BM test permitem múltiplas avaliações de parâmetros sanguíneos. Os sistemas vídeo permitem consultar e seguir à distância. O eu munido de miniaturas torna-se autónomo, mais competente, mesmo sem grande esforço, e progride para uma capacidade que é ela própria a negação das leis e normas que se aplicam pelas instituições nos regulamentos das clínicas e hospitais. Isto é transversal à música, ao cinema e basta pensarem nas capacidades dos pequenos e novos objectos que cada dia surgem melhores. As app vão abarcando mais assuntos, resolvendo mais constrangimentos e os gadgets vão ocupar o espaço das grandes parafernálias do passado.
O futuro deste mundo é pois mais competente em capacidades e simultaneamente com menor sabedoria humana. A sabedoria é uma coisa que nasce da experiência e do conhecimento estruturado e estudado de modo lato e abrangente. O futuro dos que aprendem tecnologia avançada, utilizam as habilidades que rompem da resolução criativa das dificuldades através de aparelhos que nos substituem, é pois uma revolução. Há aqui um tipo muito giro, muito bom naquela especificidade, mas não percebe o erro que nasce da fronteira dos saberes. Na fronteira das habilidades estão soluções melhores, estão conhecimentos que se transgridem e essa era a via da evolução dos curiosos. Estes eus são muito virados para dentro e portanto a curiosidade reduziu-se. Dependem do que chega de fora e seguem a ideia que se lhes entrega de mão beijada. Há aqui bom e mau, como se percebe.

Leave a Reply

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

*

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.