Opinião: O declínio do império americano

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Todos os impérios, em todos os tempos, declinam e caem. A derrota americana na guerra afegã representa a confirmação atual e presente dessa regularidade histórica.

O declínio de um império ou de um sonho imperial, pode ser lento, como o de Roma, ou súbito, como o soviético.

O caso americano, porque do nosso tempo, oferece, pela invocada natureza especificamente ético-ideológica da sua construção e legitimação, uma reflexão retrospetiva.

A exportação do modelo da democracia representativa, a apologia da incondicional tutela dos direitos humanos e a afirmação dogmática da natural eficiência do mercado livre (de regulações) constituiu a tripla pedra angular do discurso legitimador da América imperial.

Discurso legitimador que, por outro lado, se apresentava como negativo das não qualidades do império concorrente, o soviético, simetricamente fundado na denúncia da natureza classista das democracias burguesas, na exposição do caráter puramente retórico do discurso dos direitos do Homem e no sublinhar da matriz darwinista e hobbesiana da mão invisível.

Mil novecentos e oitenta e nove foi o fim desta história de competição imperial, mas não o anunciado fim da História de Fukuyama. Tony Judt, em Ill Fares the Land registou, em tom melancólico, constituir o discurso da insustentabilidade do Estado Social, no seio das democracias ocidentais, a revelação da pura redução desse conceito a instrumento político-semântico no quadro da Guerra Fria. Ou, o que é o mesmo, a substituição do capitalismo social europeu, única forma realmente democrática de capitalismo , pelo capitalismo individualista norte-americano, no quadro da construção de um novo totalitarismo de raiz (neo)liberal.

A caótica debandada do império americano do Afeganistão é, apenas, o último capítulo de uma história que, bem vistas as coisas, se inicia na 2ª Guerra Mundial. Ainda que a memória seja sempre traiçoeira, a realidade dos factos, algumas vezes, vem irresistivelmente à tona, rompendo as narrativas épicas e martirológicas dos filmes e séries televisivas do outro lado do Atlântico. Foi Pearl Harbor, em dezembro de 1941, e não um acrisolado amor à democracia e à liberdade dos europeus, que fez a América entrar no conflito.

Como não foi um amor acrisolado à democracia e à liberdade que levou Franklin D. Roosevelt, em Ialta, a condenar os povos do Leste à Cortina de Ferro, ato inaugural da Guerra Fria. Como não foi um acrisolado amor à democracia e à liberdade que levou o império às campanhas do Vietnam, da Coreia, da Somália, da América Latina, do Iraque.

O caso afegão – em curso sob nossos impotentes, senão indiferentes, olhos – transporta, no entanto, uma novidade discursiva: o titular da cadeira imperial, no momento do precipitado abandono, não se dá ao trabalho de desenterrar a antiga e hipnótica coda da defesa da liberdade, dos direitos humanos inalienáveis, da democracia. America first não é melopeia apenas trumpiana. É recitativo e praxis de sempre.

Daí que os súbditos afegãos do derrotado império, ainda que com vistos especiais ou green cards, não tenham lugar, ou tenham lugar apenas subsidiário, nas naves aéreas da derradeira fuga.

Porque um súbdito é sempre descartável. E supérfluo.

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