Opinião: A sala de aula do futuro

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A sala de aula é o cenário de um ritual que vem inalterável desde a Idade Média e que tem todo o sentido questionar. Retomo o título de um dos projetos de desenvolvimento que a CM de Condeixa-a-Nova se propõe sufragar (Beiras, 26.07.26, p. 3 ), pela sua importância e atualidade.
As escolas nasceram no seio das ordens religiosas, nos conventos e mosteiros, que primeiro ensinavam os seus membros e se foram alargando às comunidades. O palco da sala de aula inspirou-se no templo, com o púlpito, para dar visibilidade ao pregador, que fazia o sermão inspirado na bíblia sagrada. O professor fez do estrado o seu púlpito e dá a lição no estrito cumprimento do “currículo único”. Isto fazia sentido quando não havia outras fontes do saber nem outra forma de o transmitir. O algoritmo da escola atual segue ainda os rituais do templo, da missa, do púlpito, do sermão, da bíblia, do evangelho, da confissão, da absolvição ou condenação, tendo no horizonte o paraíso ou o inferno. A escola segue a mesma sequência, com a sala de aula, o estrado, o programa, a lição, as chamadas, os exercícios e os exames, o prémio ou castigo, passa ou chumba.
O mundo mudou mais desde o século XVIII até hoje do que em todos os séculos e milénios anteriores. Passamos por quatro revoluções industriais e a última está aí, ignorada por muitos, a que faz a convergência das tecnologias digitais, físicas e biológicas. Tecnologias que fizeram o milagre de tornar o saber universal e omnipresente, acessível a todos, em casa, na escola, na empresa ou nos serviços. A autonomia dos aprendentes permite questionar a educação, o ensinar e o aprender. A lição e o manual estarão no rol dos vestígios arqueológicos da escola do passado.
O mundo que nos espera deixou de ter paraísos idílicos e seguros. Estamos perante um mundo imprevisível de ameaças ambientais, desde os plásticos que envenenam os oceanos, a subida das águas do mar, as meteorologias extremas, os incêndios que devastam florestas, plantas e a vida selvagem, a falta de água potável e de comida, as fugas massivas de populações às mais diversas calamidades. As crianças e jovens que sentiram as novas tecnologias desde o ventre materno e se interrogam perante todas estas ameaças, compreendem melhor do que muitos professores que nem sempre se deram conta que vivem noutro mundo.
Temos de virar a escola do avesso e questionar se ainda tem sentido falar em lições, aulas, salas de aula, manuais, programas, exames, chumbos. Temos de substituir a escola vertical, da autoridade e da obediência, pela escola horizontal, onde o diálogo entre iguais e o trabalho autónomo substituem relações de poder desigual. A escola tem de ser um viveiro de democracia real, com o aluno no centro, como sujeito principal da existência e da atividade da escola. O professor é o conselheiro, observador, orientador, o apoio presente e disponível, que avalia para superar as dificuldades, sugerir caminhos de acordo com o potencial, o talento ou as limitações de cada um, no respeito pelas diferenças. A escolaridade é obrigatória para cumprir o direito de todos à educação. Reprovar e excluir é contrariar esse direito, o caminho certo é orientar de acordo com as potencialidades de cada um.
A escola continua a ser o espaço ótimo para a guarda, o crescimento, o desenvolvimento cognitivo das crianças e jovens, mas é sobretudo o lugar privilegiado da formação da personalidade, através das relações de amizade, de solidariedade, a consciência de grupo e o espírito de entreajuda, favorecendo a cooperação. Mas a escola situa-se hoje num contexto completamente diferente das suas origens. Internet, digital, computadores, plataformas digitais, videoconferências, podcasts, smartfones, Messenger, WhatsApp (…) revolucionaram os modos de comunicar, de interagir, de investigar, de aprender, de avaliar e de decidir. O professor pode ter na plataforma ou mesmo no computador o retrato fiel e atual do aluno e do seu histórico, com as suas atividades e trabalhos, as suas motivações e o sentido da procura e da descoberta. Neste ponto, o sistema educativo tem de seguir os passos do SNS.
Onde fica aqui a sala de aula? Repetindo Nóvoa, “o melhor professor não é o que mais ensina, mas o que mais faz aprender”. O aprender é onde e quando um homem quiser. O Covid19, neste ponto, foi uma experiência enriquecedora. Termino com Sebastião da Gama: “a aula acontece” com as circunstâncias do momento (citações de memória). Nada garante que haja aulas no futuro.

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