Opinião: A história, esse empecilho da barbárie

Posted by
Spread the love

O Estado norte-americano do Nebraska está a braços com um dilema “humanitário”: não sabe como executar os sentenciados à morte pela sua justiça que, como é sabido, prende a esmo todo o que suspeite ser desafiante da ordem pública, sobretudo se for afrodescendente. O problema está, ali, em perceber de que modo se pode matar um ser humano respeitando os tais “direitos humanos” de que se arvoram campeões. Fuzilar os condenados nem pensar, porque pode causar sofrimento; enforcar os sentenciados – em que os EUA têm abundante experiência, a que os índios e os escravos deram abundante pescoço, também não pode ser, porque há quem sobreviva ao método; a cadeira elétrica também tem tido queixas; injeção letal não pode ser, porque põe em causa o estatuto profissional dos médicos. O impasse. Mas nada que não se resolva, recorrendo a uma solução retirada da História e comprovadamente eficaz: o candidato mais “humano” à vergonhosa aplicação da mais infame das penas – a pena de morte – poderá vir a ser o produto químico conhecido por Zyklon B.
E sim, o leitor surpreendido ouviu bem – trata-se daquele produto venenoso usado nos campos de extermínio nazis, responsável pela morte rápida de 1,1 milhão de seres humanos em Auschwitz-Birkenau, Mejdanek e outros lugares que envergonham a Humanidade. Não há, porém, nada que possa envergonhar os EUA. Aliás, grande parte da prática política dos EUA é inspirada na passagem dos nazis pelo nosso mundo: a mesma tendência para a segregação racial (agora que George Lloyd esmorece no noticiário), o mesmo ódio cego aos comunistas, a mesma aplicação daquela máxima atribuída a Goebbels segundo a qual “uma mentira mil vezes repetida transforma-se numa verdade”, nem que seja através da mensagem dos filmes que nos fazem engolir a toda a hora, ensinando-nos que os maus do mundo são negros, excessivamente louros ou têm olhos em bico (porque índios quase já não há – mataram-nos quase todos).
Solução mais eficaz teve este nosso pobre país, que passa a vida de joelhos perante uma “América” a quem tem a ensinar que, por cá, a pena de morte foi abolida entre o final do século XIX e o século XX. Tenhamos consciência, porém, de que o Mal não olha a tradições. Mesmo quando não se exibe orgulhosamente, permanece à espreita, como na canção do Sérgio Godinho (“O fascismo é uma minhoca / Que se infiltra na maçã / Ou vem com botas cardadas / Ou com pezinhos de lã”). Ou como ainda há poucos dias, no episódio da Iniciativa Liberal a divertir-se em arraial realizado à margem da Lei (é que Festas responsáveis só partidos responsáveis as sabem fazer), atirando setas a imagens de dirigentes políticos de Portugal. Mas não todos. Livrou-se do assassinato simbólico o dirigente do Chega, que isto da irmandade não é coisa com que se brinque, e onde haja um rufia faz falta um sonso – o rufia vozeia pela pena de morte, o sonso brinca com o fogo.
Na Bebelplatz da Berlim de 1933 também foi assim. Primeiro queimaram-se os livros, logo a seguir gazearam-se os escritores. Com Zyklon B.

Leave a Reply

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

*

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.