É com alguma angústia que, decorrido mais de um ano de pandemia, depois de termos vivido surpresas, ânsias, receios, hesitações e contradições provocados por um vírus, vejo o meu País sem a preocupação consciente de se debruçar verdadeiramente sobre as grandes causas que rodeiam toda a ignorância e solução para um tal vírus, preferindo viver ou alimentar polémicas e equívocos, políticos e sociais, que nada ajudam numa luta que deveria ser solidária.
Tenho por vezes dúvidas de que alguns dos mais responsáveis não se concentrem na catástrofe que a todos abalou, e continua a abalar, e prefiram olhar para os seus umbigos, políticos ou profissionais, e a esquecer a solidariedade, política ou profissional, que deveria prevalecer entre os vários partidos políticos e também a maioria que é o povo sem partido.
Decorrido um ano, e depois de todos os erros cometidos na época natalícia, entramos em Janeiro de 2021 situados na triste posição do COVID como os piores do mundo. A título de exemplo, e numa imagem que não conseguirei nunca apagar, verei sempre o número de mortos que, no Hospital dos Covões, em Coimbra, já só teve lugar dentro de um contentor-frigorífico. O susto foi grande e, então, dessa vez, o Governo conseguiu transmitir bem esse estado à população, população portuguesa que, como geralmente acontece quando correctamente é esclarecida e solicitada, reagiu de uma forma positiva, colaborante, exemplar. Porque é que antes, em Dezembro, se deixou o Poder fragilizar sem convicção e sem dar uma verdadeira confiança à população, para que esta evitasse essas situações?!
Cientes da sua impotência de utilizar uma terapêutica curativa, os olhos do Homem rasaram o horizonte na procura de uma vacina que pudesse travar esta pandemia, embora não deixando de pensar no tempo necessário para o seu fabrico. Havia a recordar que a vacina da Poliomielite levou 47 anos a ser descoberta!… Quase por milagre (mas um verdadeiro “milagre científico”), ao fim de um ano é relevante vermos diversas vacinas (já vai em quatro aprovadas pela Agência Europeia do Medicamento), vacinas que abrem prespectivas de segurança ao mundo!…
Mais uma vez, porém, surgem novos equívocos e novas polémicas … com informações e contrainformações, não fundamentadas mas empoladas, negadas ou afirmadas consoante o entrevistado na TV (e nunca se viram tantos “experts” comentadores…), nem sempre transmitidas com a transparência e a clareza necessárias. Qualquer cidadão se interroga como é que uma vacina é aprovada e aconselhada hoje apenas para menores do que 60 anos e, no dia seguinte, seja contraindicada nessa faixa etária mas indicada para a faixa etária acima dos 60 anos!
É necessário maior rigor e maior serenidade nos meios de comunicação social e, infelizmente, isso é o que menos se sente com a publicidade que vai desfilando nesta democracia com 47 anos de vida, mas que, no dia-a-dia, não deixa de misturar episódios que envolvem “um mundo de casos”, que envolvem notícias duvidosas, que valorizam “tristes espectáculos”, descredibilizando alguns dos poderes deste País. A Democracia só resistirá se ressaltar o valor das pessoas na sua competência, na sua integridade e numa justiça aplicada a todos nas mesmas condições.
Para finalizar esta curta análise, olhemos para o que se passou este ano no regresso do tradicional desfile comemorativo do 25 de Abril na Avenida da Liberdade. Mais uma polémica entre uma “comissão promotora das comemorações da Revolução” e um Partido político! Uma situação paradoxal que não deixou de fazer com que o próprio partido visado passasse a ser alvo de maior visibilidade.
Fez-se um assunto do que nem sequer deveria ser assunto!… 47 anos deveriam chegar para um cidadão ser maduro! Mas, transcrevendo as palavras de Ramalho Eanes, que subscrevo inteiramente, “Abril ofereceu as Liberdades, mas esqueceu-se de criar Cidadãos”, também eu não vejo esse “cidadão maduro”. No meio de uma pandemia, quando a Democracia devia apresentar-se mais robusta e com uma sociedade mais justa, assisto a tristes espectáculos onde as vozes dos amigos e dos amigos dos amigos impedem de tomar a sério a construção de uma sociedade solidária, livre, onde todos entremos no futuro com igualdade, com trabalho e com justiça.
Não há donos da Democracia e nem ela funciona com convites e convidados. Não há explicação aceitável para recusar a entrada de um partido político democrático no desfile do 25 de Abril, só porque se lhe atribui um pensamento desalinhado com outras forças políticas.
À soma das várias diferenças chama-se Democracia.