No dia em que me sento a escrever este artigo, às voltas com o papel, faz exatamente 500 anos desde a morte de Fernão de Magalhães, o navegador português, que realizou a primeira viagem de circum-navegação, liderando a expedição marítima que deu a volta ao mundo.
Foram três anos de uma viagem que o navegador não concluiu na totalidade, visto que acabou por morreu aos 41 anos, nas Filipinas, no dia 27 de abril de 1521. Ainda assim, alcançou na história o estatuto dos que resistem ao tempo. A universalidade do seu feito persiste na nossa herança cultural. Fernão de Magalhães dá hoje nome a duas galáxias próximas da Via Láctea e à sonda espacial enviada para a órbita do planeta Vénus. Mas está também muito presente na toponímia de várias cidades do mundo.
Dá-se a circunstância de o nome deste pioneiro e construtor do mundo global figurar nas placas de uma avenida de Coimbra, extensa, próxima do rio, de onde se parte para outras ruas da cidade. A Avenida Fernão de Magalhães teria tudo para ser uma artéria esplendorosa. Ao invés, tem sido vítima da globalização, conhecida pela poluição a que se encontra sujeita, muito sobrecarregada por betão e com pouquíssimo espaço verde. Esta avenida podia e devia ser um dos rostos da cidade, visto estar posicionada entre a Rua da Sofia, classificada pela UNESCO, e uma enorme extensão de rio. Logo, uma transição, uma interculturalidade que liga pontos e permite percorrer, como numa circum-navegação, importantes capítulos da nossa civilização local.
Não é a primeira vez que aqui escrevo que tanto betão devia ser atenuado com jardins verticais. Olhemos para o enorme edifício da Loja do Cidadão e imaginemos a utopia de ver transformados os seus terraços e paredes exteriores em espaços com natureza. Pensemos em alguns dos edifícios decrépitos dando lugar a interregnos verdes, tal como acontece em algumas das deslumbrantes avenidas de São Paulo.
Pensemos nos diversos compartimentos da avenida representando o espaço natural por onde, à volta do globo, passaram os navios da armada de Magalhães. Simbolizando a viagem de circum-navegação como uma visão global do mundo. Imaginemo-los a partir de uma narrativa arquitetónica, num misto de fruição de natureza, quer pendendo de alguns edifícios, quer brotando da rua, mesclando-se com a nova arte urbana. Contando essa epopeia de Fernão de Magalhães. Atraindo moradores, levando pessoas à Baixa de Coimbra, captando turistas, competindo pela singularidade de valor inestimável que é unir povos e culturas, aproveitando isso para o desenvolvimento estruturado. Esta visão convocar-nos-ia para um plano de intervenção abrangente.
Bem sei que as utopias andam longe da realidade. Mas são elas que nos possibilitam sonhar e ter fé em realizações improváveis. É preciso haver quem sonhe. É urgente ambicionar, como Fernão de Magalhães. As naus, que são os nossos olhos, precisam de alcançar para lá da distância.