Opinião: Diz que plantaram uma galeria ripícola

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Hoje ia escrever sobre alergias mas a conjuntura determinada por poderes superiores, nomeadamente a chuva, trocaram-me as voltas. Fica prometido para a próxima, não percam.
Galeria ripícola é o que chamamos ao conjunto de vegetação presente nas margens de rios, ribeiros e linhas de água. Nem toda a vegetação das margens merece esse epíteto, só quando apresenta uma boa estrutura. Ou seja, quando estão presentes árvores, arbustos e ervas (designados estratos arbóreo, arbustivo e herbáceo – dá um ar mais entendido). Nessa situação torna-se um habitat importante permitindo abrigo para diversas espécies de animais. Uma das mais icónicas a lontra, com a descrição inultrapassável do “Dr.” Vasquinho da Anatomia no filme A Canção de Lisboa. Mas também aves, desde pássaros a garças e rapinas. São ainda importantes para a reprodução de peixes e anfíbios. São úteis em termos de biodiversidade o que já justificaria a sua preservação, mas a sua utilidade não se esgota aqui.
Engenharia natural
Uma galeria ripícola bem estruturada é uma defesa natural contra a erosão. Muito antes da existência de engenheiros hidráulicos já a natureza “se preocupava” com a erosão das margens tendo “criado” esta solução. A vegetação consolida as margens dificultando e minimizando a erosão provocada pela água corrente. Ajuda a manter o rio “no seu devido lugar”.
Em caso de cheia diminui a velocidade das águas que extravasam o leito, diminuindo as suas consequências negativas. Os maiores prejuízos, incluindo riscos para a segurança humana, dão-se pela acção da força da água, seja pela força da sua corrente, seja pela subida súbita do seu nível. Uma subida lenta é muito menos destrutiva e permite a fuga dos animais (humanos incluídos).
Protege os solos. As chuvas, principalmente chuvas torrenciais, promovem o arrastamento do solo fértil. A presença de galeria ripícola diminui este efeito, diminuindo a velocidade de escorrência das águas pluviais, o que promove a re-deposição do solo.
Este efeito é igualmente benéfico para a qualidade da água do próprio rio. Ao não receber o solo arrastado não aumenta a turbidez nem recebe químicos provenientes da agricultura ou outras actividades. Mas a intervenção da galeria ripícola na qualidade da água não se fica por este modo, digamos, mecânico. Diversas espécies de plantas utilizam nutrientes presentes na água e mesmo acumulam alguns poluentes. Têm, por isso, um efeito “despoluente”. São aliás espécies utilizadas em estações de tratamento de água por plantas.
E planta-se?
Como todos os habitats e ecossistemas, não os conseguimos plantar. São estruturas complexas que não podem ser “construídas” por empreiteiro numa obra “chave-na-mão”. Pode-se, deve-se, promover a sua criação e a aceleração do melhoramento da sua estrutura, seja retirando alguns resíduos existentes, replantando algumas espécies de árvores onde necessário, controlando a presença de espécies exóticas invasoras.
De qualquer modo, a recuperação de uma galeria ripícola nunca começa pelo corte generalizado e total da vegetação presente, antes pelo contrário, “constrói-se” aproveitando o existente, sob pena de perder por uns bons anos os benefícios atrás referidos.

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