Opinião – Novos paradigmas

Posted by
Spread the love

O tribalismo da internet é uma das áreas das ciências sociais de onde surgirão inúmeros doutoramentos em breve. Perceber a fascinação do eu opinativo, da fama como espaço do eu vaidoso descarnado de cultura, da importância de achar mais do que saber, de policiar o exposto. A internet transporta uma realidade de transparência pornográfica, sem a fronteira da moral gerida no lobo frontal como descreve Damásio em doentes que mudam o comportamento pós trauma ou pós AVC. Na última revista do “expresso” Louçã debruça-se outra vez sobre bobos e bufões que invadiram esse recreio sem bússola onde se tornam insignes líderes de bandos firmes e tribais. O problema está na linguagem sem respeito, sem decoro, sem filtros. A internet é agora o palco dos famosos que a revista Electra tão bem trata no seu último número. A fama é espectáculo, é importância construída sem percurso, sem caminho, sem pilares.
Donde nos chega este real decadente, este novo lugar de combate político e de contraditório exaltado? Vem sobretudo da cultura inculta, do saber vaidoso que não reconhece a imprecisão, a dúvida, a incerteza, a inevitável remodelação que a dinâmica impõe a todos os conhecimentos. Somos testemunhas do título, das patentes, da legitimidade das certificações e das especialidades sem perceber quanto isto é em si mesmo uma norma que para a realidade vale pouco. Que importância tem um especialista em relação a uma conjugação de saberes? Uma consulta multidisciplinar aporta uma consciência colectiva que é partilha de sabedoria, mas não pode ser impeditiva de decisão. Daqui nasce o paradigma da liderança. Se recusarmos os chefes e os líderes abstemo-nos de conduzir, de progredir. Alguém, informado das diversas hipóteses e alternativas, tem de escolher a estrada. O insulto e a desgraça tribal exultam se apesar da melhor informação se optou mal. É o fanatismo, a força dos bobos e bufões de dedo em riste a procurar o sangue dos gestores.
Isto é hoje uma referência para definir a nova esquerda e direita também. Tudo o que reconhecíamos no passado está em decomposição, quer as relações de trabalho, quer os modos e meios de pagamento, quer os vínculos de trabalho, quer os mecanismos de trabalho. Tudo o que se prendia com convicções conservadoras e ideias progressistas está na balança: Há mais revolução e luta armada na defesa da lagosta não suada, do caracol não cozido, na intransigência contra os alimentos carregados de aditivos, na defesa de medidas contra a obesidade, na defesa da máxima liberdade pela mínima tribo ou indivíduo, na luta contra os abusos sobre animais, na estruturação de regras de convívio entre espécies, na definição de partilha e de dádiva dos ricos aos pobres. O sentido de esquerda e direita do passado estão em completo desmembramento deixando a militância de outrora presa nos resquícios do insulto e do rebaixamento em vez da tentativa de incorporar e perceber os desafios novos. Há ideias que chegam do budismo – reduzir o desejo, certezas que chegam da ciência: a obesidade é endémica e causa de mortalidade. Há uma explosão de conceitos que irrompem de saberes vários permitindo soluções imaginativas para coisas antes impensáveis. O ritmo circadiano em cuidados intensivos, a utilização de estimuladores eléctricos para promover activação muscular em acamados de longa duração. Há tantas novidades e saberes à hora em que uns escrevem livros contra em vez de livros a favor. Uns perdem-se a processar as ideias de outros em vez de mostrarem suas certezas. Os bufos e os bobos são de todas as cores.

Leave a Reply

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

*

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.