Opinião – “Hospital dos Covões – O da tal resiliência”

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Diz-se que é nos momentos difíceis que os amigos, amigos se revelam. A afirmação, sendo certa, não perde veracidade ao ampliar-se o universo relacional para a vida em sociedade: é na emergência social que se mede a utilidade das instituições. Quando, em 2012, o governo de Passos Coelho e Paulo Portas decidiu o encerramento das urgências do Hospital dos Covões em período noturno sonhou desferir a machadada final no Hospital dos Covões. O plano original vinha de trás. A governação de José Sócrates já tinha feito o possível por desfigurar o SNS, também em Coimbra, projetando a fusão do CHC com os HUC, que deixaria em dote ao ministro Paulo Macedo.

À volta do corpo moribundo do Hospital dos Covões foram-se posicionando os abutres. À medida que iam sendo encerrados os serviços de Gastrenterologia, Neurologia, Neurocirurgia, Urologia, Otorrinolaringologia, Oftalmologia, entre outros, o negócio da saúde posicionava-se no atendimento aos que, precisando dos cuidados de saúde, estivessem em condições de os pagar – por si próprios ou por interpostos subsistema ou seguradora. Já as equipas constituídas ao longo de anos de bom serviço foram desfeitas sem que o remorso tenha afetado os exterminadores. Ao desaproveitamento da capacidade instalada – de que é exemplo o excelente bloco operatório dos Covões, transformado em luxo desnecessário – juntou-se o encerramento das urgências à noite e aos fins de semana. Hão de ter ficado orgulhosos os gestores de tão engenhosa maquinação ainda que, havendo Juízo Final, se arrisquem a arder na eterna fogueira. O certo é que terão ficado convencidos da eficácia do enterramento, não fora a intervenção de um objeto microscópico, a que a medicina exterior ao SNS se revelou particularmente alérgica.

A pandemia da Covid 19 viria, pois, a contrariar os inventores de destinos: o serviço de urgência do Hospital dos Covões, em horário noturno, ressuscitou em 23 de março de 2020, ao cabo de oito anos de morte certificada. É uma data para celebrar. E com o renascimento deste serviço reanimou-se todo o Hospital Geral dos Covões que, ainda que enfraquecido e espoliado, revelou-se capaz de regressar ao Serviço Nacional de Saúde na qualidade de unidade indispensável.

A gratidão não é, contudo, a maior das qualidades de quem nos governa, havendo valores (literalmente) mais altos que, entretanto, reemergem. Arredadas do espaço público as vozes que denunciaram os pudores sanitários do negócio da saúde, há quem venha de novo promovendo um tal “sistema nacional de saúde”, empenhado em “utilizar a capacidade instalada”, num mais-ou-menos-SNS em que o Estado passa, de ator e programador, a garantidor de dividendos. É já a preparação do dia seguinte à passagem do furacão Covid, fazendo letra morta da História da reação a uma pandemia que só não foi mais dramática porque havia estruturas, como o Hospital dos Covões, apesar de tudo sobreviventes à desastrosa fusão hospitalar. O serviço de urgência lá está, aberto nas 24 horas que o dia tem, indispensável como sempre foi, mas nem por isso ao abrigo do (de novo) encerramento que alguns lhe desejam, e programam.

Lembram-se daquelas imagens da tanta gente que formou um comprido cordão humano à volta do Hospital, que este mesmo Jornal publicou? Pois preparem-se os que ali estiveram para regressar às mesmas ruas, que a persistência é mesmo uma assinalável qualidade dos poderosos comedores de dinheiro de que falava o poema de Manuel da Fonseca. Provado está, no entanto, que “o povo é quem mais ordena” (na gesta como na asneira). Mobilizemos-nos, pois, para transformar em dia-a-dia um serviço de urgência que os mandantes – certamente contrariados – tiveram de chamar à linha da frente (desejando-lhe emprego de poucos dias). No caso de pouco aprendermos com a pandemia (o que vai sendo cada vez mais certo), fixemos, pelo menos, que a Paz nunca está garantida. Por isso é que quem é capaz de combater sob a tempestade não pode, nem deve, ser descartado na bonança.

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