Opinião: A sério e a brincar?

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Há uma enorme diferença entre a Alemanha e Portugal. Na cultura de trabalho e de exigência, na muito maior transparência, na capacidade de alcançar resultados e na cultura de mérito. Tudo isso molda a sociedade, fazendo com que a generalidade dos cidadãos sejam bem mais interessados, participativos, exigentes com quem elegem, resilientes e bem mais focados naquilo que fazem: a cultura de prestar contas depois de qualquer atividade é verdadeiramente admirável. As instituições são, em consequência, fortemente orientadas para resultados, regidas por planos estratégicos efetivos, que as tornam mais robustas à fraude, ao carreirismo paralisante e à mediocridade inerente. Os resultados da economia, da indústria, da ciência, da educação, etc., são bem conhecidos e podem ser comparados com outros países, tendo em conta que a Alemanha foi praticamente destruída na 2ª guerra mundial e teve de começar tudo de novo.

A pandemia que vivemos colocou dificuldades idênticas a todos os países, independentemente da sua competitividade, capacidade de gerar mais-valias, riqueza, etc. No entanto, período pós-Covid vai revelar bem as diferentes formas de encarar a adversidade e investir nas potencialidades de cada país. Para preparar esse período, a UE desenvolveu uma iniciativa de recuperação e resiliência que denominou RRF (Recover rand Resilience Facility), financiado por dívida pública europeia, a qual foi contraída no mercado em nome de todos os Estados membros (em condições mais favoráveis do que seria possível a cada Estado membro individualmente). A contrapartida foi uma contribuição suplementar de cada Estado membro para o orçamento da EU, em função do PIB, a partir de 2028 e durante 30 anos. A famosa “bazuca” é assim, de facto, endividamento público europeu que os nossos filhos e netos vão pagar. Não querer saber disso e empurrar com a barriga é típico de Portugal, pelo que o respetivo Plano de Recuperação e Resiliência (um documento com 147 páginas) não é bem um plano, mas antes uma manta de retalhos de generalidades e de investimentos elencados por grupos de pressão. O país encara esta oportunidade como sempre fez com os fundos europeus: uma pilha de dinheiro que é preciso gastar. A UE já mandou dizer que não aceita estradas, pontes, rotundas, …

Ao invés, a Alemanha elaborou um PRR com 45 páginas, desenhado para complementar o plano de estímulo à economia que o Governo lançou em Junho de 2020. De facto, cedo a Alemanha elaborou um plano de estímulo à economia ( 180 mil milhões de euros) baseado nos seguintes 3 pilares: reforçar a liquidez das empresas, reforçar iniciativas públicas e privadas com o objetivo de modernizar e digitalizar a economia, e por fim, investir no reforço de parcerias internacionais enquadradas nas responsabilidades da Alemanha como maior economia da EU. O PRR alemão, no valor de cerca de 25 mil milhões de euros, foi desenhado para complementar este programa, atuando em 6 áreas principais: 1 ) Clima e Transição Energética ( 41.7% do investimento); 2 ) Digitalização da Economia e Infraestruturas ( 19.3%); 3 ) Digitalização da Educação ( 4.7%); 4 ) Reforço da Sociedade Inclusiva ( 4.7%); 5 ) Reforço de um Sistema de Saúde Resiliente à Pandemia ( 1 5%); e 6 ) Modernização da Administração e Redução das Barreias ao Investimento ( 11.6%). Todo o plano tem bem definidas todas as áreas de intervenção, a dotação orçamental, o calendário e a forma de gestão dos fundos.

Ou seja, a maior economia da UE preparou-se para o fortíssimo embate da pandemia e tratou de criar as condições para recuperar das consequências resultantes do confinamento (RECOVER), para reforçar fortemente a capacidade de resiliência a eventos futuros deste tipo (RESILIENCE) e para criar um mecanismo de financiamento, com impacto no orçamento da UE, que contribua definitivamente para uma maior eficácia da UE nestas situações que serão cada vez mais frequentes. Comparar este plano alemão com o PRR português, mostra gigantescas diferenças no comprometimento dos respetivos governos com os resultados da economia, bem como a eficácia da cultura alemã de responsabilidade e responsabilização dos agentes políticos que não tem paralelo em Portugal e explica muitas das diferenças entre os dois países.

 

Joaquim Norberto Pires escreve ao sábado, semanalmente

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