A situação da pandemia COVID 19 em Portugal está em entrar (ou já entrou) em descontrolo. Corremos um sério risco de dentro de alguns dias ou semanas assistir em directo à prática de Medicina de catástrofe nos nossos hospitais, a rever, mas agora em nossa casa, as imagens de terror que se verificaram em Itália e em Espanha da primeira fase da pandemia.
Como chegámos a este ponto?
Depois de uma primeira vaga, onde a disseminação exponencial da pandemia e a dificuldade de resposta dos cuidados de saúde podia ser justificada pela surpresa e pelo desconhecimento concreto da doença, o que foi feito para prevenir e moderar a segunda vaga?
Muito pouco… Durante os meses de verão, a preocupação do governo e da Presidência da República foi sobretudo a retoma económica, transmitindo uma imagem errada do regresso à normalidade. Muito pouco foi feito no sentido de uma planificação do período da segunda vaga, e quase nada foi feito na questão educacional da moderação dos comportamentos.
Não existe política que não olhe aos aspectos económicos de um país e nenhum governo consegue estar blindado a pressões financeiras ou sociais, por isso compreendo as dificuldades daqueles que, pelas suas funções governativas, tomaram algumas medidas que hoje poderemos achar não terem sido as mais indicadas para evitar a situação sanitária que hoje chegámos. Muitas destas medidas foram tomadas com base em pareceres técnicos de comissões incompetentes ou de instituições mal dirigidas. Muitas destas medidas foram tomadas tendo por base o silêncio cobarde de alguém a quem se exigia determinação e frontalidade na exposição técnica, mesmo que tal significasse o confronto de ideias.
E aqui, reside em meu entender o nosso maior problema. O facto de, em Portugal, muitas das instituições publicas serem chefiadas por elementos que ocupam o lugar por nomeação e não por mérito pode estar na base da situação que vivemos na actualidade.
A Direcção Geral de Saúde revelou desde o início da pandemia uma dificuldade enorme de comunicação, uma falta de rigor científico com contradições sucessivas, e uma ausência completa de capacidade de planeamento estratégico.
A DGS falhou em três áreas fundamentais:
a) Falhou no seu papel de aconselhamento técnico ao governo. Não o soube fazer de forma clara, perentória, independente e técnicamente inquestionável. Revelou inconsistência científica, impreparação técnica e cedeu de forma inaceitável (a quem tem responsabilidade técnica e científica) perante pressões politicas compreensíveis por parte do governo e/ou de partidos da oposição, em vários assuntos como o uso de máscara, as indicações para realização de testes, o tipo de restrições preconizadas.
b) Falhou no autismo e na arrogância comportamental que manifestou ao não querer ouvir e trazer para junto de si as estruturas representantes dos profissionais de saúde como a Ordem dos Médicos, a Ordem dos Enfermeiros ou o Conselho das Escolas Médicas.
c) Falhou totalmente no seu papel de educação da população, na capacidade de transmitir a necessidade de moderação e alteração de comportamentos.
E é exactamente nesta última alínea que reside em meu entender um dos maiores problemas da situação actual.
A única forma de se conseguir controlar a pandemia, antes do aparecimento da vacina, reside na alteração profunda dos nossos comportamentos.
O enorme esforço de todos os profissionais de saúde, e os sacrifícios pessoais e familiares de todos aqueles que limitaram os seus contactos terão sido em vão se uma pequena minoria da sociedade insistir na adopção de comportamentos de risco.
O SARVS COV2 revelou-nos que apesar dos exemplos de enorme solidariedade verificados nesta pandemia, continuam a existir cidadãos para quem os seus direitos se sobrepõem aos seus deveres e aos direitos dos outros. O egocentrismo comportamental não é tolerável quando o que está em causa é a vida do outro.
Os Portugueses têm de perceber que se não reduzirmos, condicionarmos e limitarmos os contactos que estabelecemos com os nossos colegas de trabalho, com os nossos amigos, e com as nossos familiares espera-nos, a todos, e muito em breve, um confinamento nos limites da nossa casa ou de um quarto de hospital.