Opinião: Os desígnios do salário mínimo

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Sempre que se fala de salário mínimo as divergências surgem e os ânimos exaltam-se. Trata-se, de facto, de um tema que mexe com a economia, com as empresas, com a competitividade, mas, antes de mais, com as pessoas e com a sua dignidade.

Convenhamos, um país que não consegue oferecer aos seus cidadãos e trabalhadores um salário mínimo superior a 635 euros, não tem muito de que se orgulhar. Este é um problema, naturalmente, das empresas e organizações que têm que o pagar, mas também do país que estas pessoas integram. Na verdade, mais de 20% dos trabalhadores recebem o salário mínimo e o salário médio tem-se-lhe progressivamente “encostado”, mostrando uma terrível fragilidade da economia, do tecido empresarial e das condições de vida dos portugueses, nesta faixa salarial.

O debate relativo ao salário mínimo costuma oscilar entre duas posições mais extremas, apoiadas em dois tipos de argumentação: de um lado, os problemas de competitividade das empresas, da sua capacidade de o comportar e dos seus efeitos sobre o emprego; do outro lado, os benefícios para a economia resultantes do crescimento do poder de compra e de alargamento do mercado interno, satisfazendo as necessidades dos trabalhadores mais desfavorecidos. Claro que, adicionalmente, as políticas de crescimento do salário mínimo tendem a aumentar substancialmente as contribuições para a segurança social e são, por isso, uma tentação para os governos em tempos de dificuldades orçamentais.

Na verdade, importa questionar se não será possível e até desejável compatibilizar estas duas frentes, numa estratégia concertada e num desígnio nacional, para o salário mínimo. Imagino que qualquer gestor gostaria de poder pagar mais aos seus trabalhadores, sobretudo na faixa mais baixa. Acredito que a possibilidade de pagar melhores salários também conduzirá, progressivamente, à possibilidade de recrutar pessoas mais bem formadas, com mais capacidades e sobretudo, mais motivadas e dispostas a dar mais de si.

Francamente, não acredito que não possamos num prazo de poucos anos, dar um impulso substancial ao salário mínimo sem penalizar, excessivamente, aquele que é o seu principal travão: a competitividade externa da economia. Esta estratégia concertada envolveria as empresas, o governo e mesmo a sociedade em geral.

As empresas teriam que melhorar a sua produtividade, dedicar mais recursos à formação das pessoas, absorver algum destes aumentos e, naturalmente, refletir uma parte nos preços. Uma vez que todas as empresas estão sujeitas à mesma pressão, isto provocaria alguma subida generalizada de preços mas moderada, o encerramento de algumas empresas mais ineficientes e, naturalmente, o surgimento de novas, mais modernas e competitivas.

O estado, até porque tem muito a beneficiar com o aumento de receitas decorrente do aumento do salário mínimo, poderia ajudar a aliviar o esforço das empresas. Poderia conceder algum alívio nas contribuições, eliminar algumas das muitas taxas que consomem os recursos das empresas, reduzir alguns custos de contexto como a energia, a água, as portagens, entre outros, e reduzir a carga burocrática com que rodeia a atividade empresarial.

Globalmente, o país teria que ter a capacidade de atrair alguns bons e grandes novos projetos como a Autoeuropa, a Bosch ou a Continental Mabor. Empresas como estas, com as suas políticas salariais e com propostas de valor que se distinguem da média portuguesa, poderiam provocar algum arrasto nos níveis salariais da economia, como um todo.

Na verdade, penso que uma verdadeira estratégia para o salário mínimo não se compadece com objetivos pontuais que a cada ano são esgrimidos na concertação social (ou sem ela) e no parlamento, de forma mais ou menos oportunística. Também me parece que este discurso não deve ficar refém de ideologias mais à esquerda ou mais à direita.

O atual cenário da economia portuguesa é particularmente difícil e provavelmente não permitirá avanços substanciais nesta área. Todavia, o desenho de uma estratégia concertada poderá permitir aproveitar um cenário mais favorável de crescimento nos próximos anos, para dar um impulso decisivo no salário mínimo nacional.

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