Opinião: Os hospitais de Coimbra e a coisa pública

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Há dias, na página no Facebook do movimento Pela Saúde em Coimbra e na Região Centro (que defende a autonomia do Hospital dos Covões e a manutenção das suas funções como Hospital Geral Central), um conhecido e influente membro do partido na altura, e agora, no governo, e um dos seus fundadores, dizia da influência decisiva do Dr. Fernando Vale na construção, nos anos 80 do século passado, do edifício actual do Hospital da Universidade de Coimbra. Vimos confirmado como as coisas podem funcionar na coisa pública (res publica). Nesse caso, ainda bem.
Ficou dito que o Dr. Fernando Vale insistiu pessoalmente, com premência, para que o primeiro-ministro Mário Soares viesse rapidamente a Coimbra falar com ele, ao que este acedeu, mesmo sem saber a razão. Ao chegar, foi por ele levado de imediato ao velho edifício do HUC, onde foi confrontado com as péssimas condições existentes, e instado para que fosse encontrada uma solução com urgência, a bem dos doentes e dos profissionais. Como é contado, essa insistência do médico amigo e correligionário, tão respeitado em todos os quadrantes políticos nacionais, não caiu em cesto roto. E, logo no caminho de regresso a Lisboa, Mário Soares pensou no modo de desviar o dinheiro necessário doutro fim a que estava destinado.
Terá faltado referir que esse pedido premente do Dr. Fernando Vale provavelmente tenha resultado duma sua visita ao Hospital dos Covões, onde um filho seu trabalhava como cirurgião – e de muita qualidade -, e assim tenha podido fazer um paralelo entre os dois Hospitais. O Hospital dos Covões tinha das melhores condições possíveis à época como hospital, e nesse campo a sua comparação com o HUC era verdadeiramente penosa para este último! Uma diferença abissal, que chocava, ainda mais quem tivesse animosidade contra aquela instituição por ter sido obra do Prof. Bissaya Barreto, confundindo o homem com a sua obra. Porque muitos havia que odiavam Bissaya Barreto, por várias razões e também, ao que parece, por ter sido ele a fazer Coimbra dar um salto de relevo em matéria de Saúde, e não eles…
Pode-se considerar, assim, que foi também o aparecimento em Coimbra doutro Hospital para além do Hospital da Universidade, o Hospital dos Covões, e do Centro Hospitalar de Coimbra que ele integrava, de muita qualidade e óptimas condições logísticas, que levou, indirectamente, à construção dum edifício novo para o HUC. O que teve de ser levado a cabo muito rapidamente, para aproveitar o dinheiro conseguido pela intervenção pessoal, acima relatada, sobre o primeiro-ministro do momento. Essa pressa obrigou a usar-se um projecto existente já com vinte anos, o que conduziu a uma construção hospitalar desajustada, em dimensões e disposição das instalações, ao que nessa época já se defendia em termos de hospitais, mas permitiu, de qualquer maneira, um progresso enorme para os seus profissionais e utentes.
E os dois Hospitais continuaram a coexistir durante mais trinta anos, para benefício de Coimbra e da Região Centro, projectando a cidade nacional e internacionalmente na área da Saúde. Merecendo por isso a designação de “capital da Saúde”. É perfeitamente clara a importância de haver dois Hospitais Gerais Centrais em Coimbra, chamando à cidade profissionais de saúde, alunos, formandos, investigadores, escolas, doentes, e é por isso muito evidente que manter os dois, no caso, manter o Hospital dos Covões, é uma verdadeira causa pública. Aliás bem compreendida pelas populações, que se manifestam repetidamente nesse sentido, representadas pela quase totalidade das forças políticas locais.
Mas essa causa não é de todos, admitamos: animosidades antigas não morrem, e o ressentimento contra quem levou a cidade a expandir-se pela Saúde, fazendo-a crescer para a periferia no “outro lado do rio”, e projectando-a ao mesmo tempo para fora de portas, mantem-se, reflectindo-se na sua obra. São os defensores duma Coimbra pequenina, enquistada e encolhida sobre a “sua” universidade, centrada nesse centro antigo e com receio de que ele se afaste para mais longe, dum lado e doutro do rio, levado pelo crescimento.
É Coimbra que tem de decidir o que quer. E quem quer. Mas já vimos como se passam as coisas na coisa pública, mesmo que numa causa que é entusiasticamente de tantos. O que vale muitas das vezes é a intervenção duma pessoa, com carisma, pessoal ou político, ou poder, e que leva a uma decisão pelas forças instaladas na governação, fazendo-as ver quase à força a razão que lhe assiste, e o caminho correcto a seguir. Sem mais delongas e hesitações. Nos Hospitais de Coimbra já houve dois exemplos, aqui citados. Teremos de esperar por outro, para que a Saúde em Coimbra e na Região Centro retome o caminho devido?…

Pode ler a opinião de Carlos Costa Almeida na edição impressa e digital do DIÁRIO AS BEIRAS

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