Os tempos de insegurança e medo, como é o caso desta pandemia, são terrenos férteis para a disseminação de notícias falsas. As fake news, como se vulgarizou chamar-lhes, são um produto cada vez mais aperfeiçoado no mercado da informação.
Há uma razão mais ou menos evidente: elas corroboram aquilo em que muita gente prefere acreditar. No fundo, as pessoas ficam mais confortáveis com uma informação, ainda que falsa, que vá ao encontro do seu pensamento e que não contenda consigo.
Um dos mais citados estudos sobre a propagação de notícias falsas na Internet, realizado pelo MIT e publicado na revista Science, concluiu que estas espalham-se 70% mais depressa do que as verdadeiras e alcançam um número maior de pessoas.
Notícias falsas e fake news não são exatamente a mesma coisa. As notícias falsas existem desde que a imprensa é imprensa. Já as fake news passaram a ser consideradas como um fenómeno atual pela forma como se viralizam através das redes sociais, com milhões de partilhas “infetadas”, e por serem intencionalmente plantadas para causar desinformação.
Todas as discussões que visam a erradicação das fake news acabam por esbarrar numa premissa fundamental das sociedades democráticas, que alerta para o perigo de se poder estar a camuflar um desejo de controlo, o que contende com a liberdade de informação, impondo censura. Diante desta encruzilhada, alguma vez as fake news irão parar? A verdade é que não.
As fake news são uma forma poderosa de manipulação da opinião pública. O seu poder consiste em lançar a dúvida sobre a verdade. E isso vira todas as ideias do avesso, subvertendo-as: quanto mais se acredita em notícias falsas, menos se acredita nos canais de informação.
Podemos situar o surgimento das fake news, na sua composição mais sofisticada, com a campanha que levou à eleição de Donald Trump, nos Estados Unidos. Quer durante essa corrida quer já depois de eleito, Trump não só emitiu notícias falsas nas redes sociais, sobretudo no Twitter, como não se livrou da acusação de ter contratado uma empresa responsável por espalhá-las massivamente através de manipulação informática.
Na sua campanha renhida, Trump venceu. E isso deu alento a uma torrente de populistas que passaram a copiar as suas práticas, a dizer o que as pessoas querem ouvir, a centrar o seu discurso em verdades alternativas que confortam muitos cidadãos. O novo ópio das sociedades que se dizem equilibradas é precisamente a mentira.
Paulatinamente, a imprensa tem vindo a ceder ao conceito lato de verdade, às fake news. Sobretudo por motivos de sobrevivência num mercado austero e competitivo. Tragicamente, uma vez aberta a caixa de Pandora, não há forma de voltar a fechá-la. O crédito esbanjado não voltará a ser recuperado. A dúvida ficará para sempre instalada. A história das fake news é, no essencial, uma história demasiado triste.
Olhando bem para o fundo, verificamos que as fake news nunca versam apenas sobre os factos. São um protesto face ao sistema que produz esses factos, uma declaração de desconfiança. Quando se desmascara uma notícia falsa, não é apenas a notícia que é falsa. É toda a imprensa que é falsa. Se um governo emite uma informação falsa, não é apenas a informação que é falsa. É todo o governo que é falso.
Todos passaremos, inevitavelmente, a duvidar de muita coisa. E o remédio pode, no limite, entorpecer-nos, uma vez que duvidar de tudo implica duvidar da própria dúvida radical.