Opinião: Desarmar as certezas

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Depois da segunda guerra mundial, apesar de algumas epidemias, alguns vírus, muitas gripes e muitas lutas de saúde pública nada impedia as certezas e os desenvolvimentos políticos de uma geração desalmada. Criaram-se teorias inovadoras, umas para espaços abertos, outras contra a presença de guichês, outras para a aumento de cadeiras nos aviões, outras de redução do número de escolas.

As mais ousadas teses em prol das mais fantásticas exibições de funcionalidade, abertura, modernidade, produtividade, lucro. Reduzir pessoas, aglomerar, fechar salas e edifícios, concentrar. Deste modo as escolas foram sendo fechadas, o “small is beautifull” foi apoucado, as crianças e os idosos foram colocados em paquetes, ou caixas cada vez com mais gente. Os aviões passaram a lotações onde não cabem as pernas dos mais comprimidos, as turmas concentram agora mais de trinta alunos, os lares atingem centenas de utentes.

Entretanto iam-se ouvindo teses hospitalares de distância entre camas, três metros entre corações, mais tratamentos em casa, cirurgias em ambulatório e sem pernoita. O processo era inverso nos bancos: sem intimidade na exposição. O processo era o oposto nas escolas: todos à molhada. No low cost atingimos a indignidade de ir de braço dado com o passageiro do lado.

A realidade, que é sempre mais brutal que a imaginação, trouxe um vírus e uma decisão. Agora dava jeito haver mais escolas e mais pequenas. Agora dava jeito tirar umas cadeiras dos aviões. Ficava mais fácil regressar a paquetes menos cidade e mais vila. As escolas secundárias com metade da lotação fariam melhor frente à pandemia. Mas Portugal foi cultivado por inúmeros doutores desta “mula russa” das modas e das rotinas em vez de lideranças, dos protocolos em vez da chefia. A realidade veio desarmar as certezas.

Lembro-me (conversas como a cerejas) de uma reunião com dois meninos da consultora deloitte  que vinham avaliar e dar sugestões para o Hospital de Aveiro. Foi em 2002, na altura com a Drª Marta Temido na gestão. Recordo que me sentei com eles e percebi que não sabiam como se financiava o sistema, não conheciam a codificação de ICD 9, não sabiam o que era GDH e por essa razão de modo deselegante sai da reunião e disse:

– não sou pago para dar aulas à Deloitte e se quiserem que dê, enviarei o valor dos meus honorários.

Foi uma das vezes em que estive seguro de que andava tudo no mau caminho. Ainda estou!

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