Opinião: À Mesa com Portugal – máscara

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Estamos no fim do Verão. Aprecio o mais bonito por-de-sol da minha vida numa travessia pela Serra em regresso à Beira Litoral e penso na contradição das minhas reflexões. Por um lado, a beleza superior de um céu vermelho, enorme, picotado pelo recorte das montanhas que se amparam umas nas outras a lembrar-me que o belo existe e é nosso.

Por outro lado, a passar em revista as conversas e a registar as palavras de uma senhora proprietária de um pequeno café numa das Aldeias Históricas de Portugal. “Não se ouviu, neste Verão, uma gargalhada nesta esplanada!”, contou-me ela. Contradição. Sim, porque para aquela aldeia tão bonita as pessoas vão de férias e não em obrigação de trabalho. Pensei como era estranho a ausência de gargalhadas.

Do céu de um vermelho que se espalha pelo horizonte nasce um azul celeste maravilhoso e eu assisto ao acordar de Vénus. Ponho os olhos nessa companhia e volto aos meus pensamentos. Talvez o tempo seja uma espécie de colchão de água que nos faz baloiçar entre uma normalidade anormal e uma anormalidade normal. Fomos com pressa para férias e regressámos com pressa. Não saboreámos a mudança como devíamos. Não percebemos que a nossa vida mudou. E isto até parece “uma frase batida”, mas é a realidade.

Parece-me que o distanciamento físico imposto por regra é o menor dos nossos problemas. Talvez outros distanciamentos e outras ausências sejam o problema. Cuidar a proximidade para além da máscara e da ausência do sorriso deve ser uma prioridade para todos nós.

Temos de usar máscara. Certo. Para o nosso bem e para o bem dos outros. Todos aceitam, embora alguns andem com a máscara pendurada na orelha como se isso protegesse alguma coisa. Sim a máscara já faz parte das nossas vidas, mas percebemos o que isso significa nas relações sociais? Equívocos. Pelo que não deixa ouvir e não deixa perceber. Deveremos falar mais alto? Tentar falar mais pausadamente?

Pode parecer estranho, mas temos de pensar nisto. Já vi muitos a discutirem por não terem percebido o que foi dito. Um diz “alhos” e o outro percebe “bugalhos”. Ouvimos, mas não percebemos o sentimento das palavras, seja ele a felicidade, a indignação, a interrogação ou tristeza. Falha a clareza da mensagem e isso baralha quem fala e quem ouve dando origem ao conflito. Somos animais sociais, agimos por reação a um conjunto de símbolos que importam na avaliação da comunicação. Parece estranho, mas temos de repensar a socialização e as interações sociais quando metade da cara está tapada.

O sorriso, falta o sorriso. Talvez tenhamos de aprender a sorrir com o olhar. E ao mesmo tempo, perceber que os direitos de cada um não podem apagar o bem-estar e a felicidade dos povos. O pretenso avanço das sociedades modernas com a sacralização dos direitos individuais não deve contrariar séculos e séculos de cooperação humana. Tenho visto, assistido e sentido muitas situações de quem se ache prioritário só porque sim.

Em que de repente sacam de todas as prorrogativas possíveis para exercer os seus direitos esquecendo a civilidade e o bom trato, seja numa fila de supermercado, num debate ou atendimento. Sobrevivemos, avançámos, melhorámos porque percebemos o valor da colaboração resultante da interação humana. Contudo, parece que muitos aproveitaram as regras de distância para se fecharem no eu como se só o seu eu importasse.

Sei que sim, que não mudámos assim tanto. Que sempre existiram faltas de civismo e individualismos superlativos. E que os bons exemplos superam em grande escala os maus. Mas, temos de pensar como saltar do comodismo útil para o pragmatismo. Precisamos repensar a fragmentação do eu por oposição às conquistas do grupo. Sorrir com os olhos e cuidar a proximidade.

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