Opinião: Os Despachos de Michael Herr

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Em 1979, estreava um filme de Francis Ford Coppola intitulado Apocalypse Now, com a participação de Marlon Brando, Robert Duvall, Martin Sheen, Laurence Fishburne, Dennis Hopper, entre outros atores que contribuíram para o sucesso desta película universal e intemporal, considerado como um dos melhores filmes de sempre. Quem o viu, nunca o olvidou, nem esqueceu o coronel Walter Kurtz, nem o cheiro a napalm pela manhã.
Baseado no livro, Heart of Darkness, de Joseph Conrad ( 1857-1924 ), publicado em 1902, foi adaptado por John Milius, transpondo a ação que se passava no Congo para o cenário do Vietname.
Este filme ganhou a Palma de Ouro, no Festival de Cannes, em 1979. Alguns anos mais tarde, em 2001, foi divulgada uma nova versão, intitulada Apocalypse Now Redux, acrescida de 49 minutos de cenas inéditas. Em 2002, um grupo de críticos de cinema e escritores britânicos do British Film Institute elegeram-no o melhor filme dos últimos 25 anos.
Francis Ford Coppola, cineasta italo-americano, neste filme, aborda o tema da guerra do Vietname, a sua violência, o seu horror, o sofrimento que provocou junto de milhões de pessoas, durante décadas e gerações, em diversos continentes e, em última análise, evoca o absurdo da guerra e a alegada quase insanidade mental de tantos responsáveis políticos e militares, também quando ordenavam o despejo de milhões de litros de Agente Laranja e de Napalm sobre os vietnamitas. O que será menos do domínio público foi a participação de Michael Herr ( 1940-2016 ), em todo este contexto.
Jornalista e crítico de cinema, Michael Herr, em 1967, por vontade própria, partiu de Nova Iorque para Saigão, como correspondente de guerra da revista Esquire, na qualidade de correspondente de guerra, enviando regularmente os seus despachos para serem publicados na referida revista.
Durante mais de um ano deambulou pelo Vietname, acompanhando as tropas americanas e estando presente nos locais mais emblemáticos deste mortífero conflito bélico, tendo sido testemunha das atrocidades e do ambiente insano que envolvia esta guerra.
Os despachos que enviava regularmente para serem publicados nos Estados Unidos da América, davam conta do horror onde ele estava mergulhado, acompanhando os jovens americanos, confusos e perdidos, que conviviam diariamente com a morte, o pavor e o assassínio dos vietnamitas. As reportagens, pela sua autenticidade, não sendo manipuladas pelas conferências de imprensa oficiais e fruto do seu testemunho pessoal e presença no terreno, em permanente risco de vida, tornaram-se míticas, levando-o a ser considerado como um dos mais conceituados repórteres de guerra do século XX.
“Não havia dia em que não me perguntassem o que eu estava ali a fazer”. Quando o maior desejo de todos era fugir daquele pavoroso inferno e da morte eminente, ninguém entendia muito bem que Michael Herr percorresse todos aqueles cenários de guerra, acompanhando os jovens soldados americanos, por vontade própria, apenas com o intuito de relatar a verdade ao mundo.
“Fui cobrir a guerra e a guerra cobriu-me a mim”, escreveu Michael Herr, pois as histórias que ouviu, os relatos infindáveis, as conversas que desenvolveu, nos cenários de guerra, com soldados, com a hierarquia militar, com os veteranos, com as tropas especiais, com os desgraçados que só queriam ser feridos com gravidade, para serem evacuados para o Japão, todos estes relatos e testemunhos deixaram marcas neste jornalista, que o acompanharam para o resto da vida.
Francis Ford Coppola convidou Michael Herr para ser co-argumentista do filme Apocalipse Now ( 1979 ), onde são bem visíveis os delírios e a insanidade da guerra do Vietname, sendo muitas das cenas e das personagens, baseadas nos testemunhos de Herr.
Em 1977, o jornalista compilou e condensou os seus célebres despachos de guerra, num livro, publicado com o título Dispatches, verdadeiro relato apocalíptico de uma guerra demencial que ultrapassou qualquer ficção. O filme de Coppola reflete muito bem o ambiente descrito por Herr, neste livro.
Em 2019, quarenta e dois anos mais tarde, o livro foi traduzido e publicado em Portugal, com o título, Despachos.
Acresce referir que Michael Herr também foi co-argumentista de um outro filme famoso, sobre a guerra do Vietname, Nascido para Matar, de Stanley Kubrick, em 1987.

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