Opinião: Burhan Sönmez

Posted by
Spread the love

Nascido, em 1965, na Anatólia central, bem no interior da Turquia rural, Burhan Sönmez, um turco curdo, licenciou-se em Direito, numa Universidade de Istambul, tendo exercido, nesta cidade, a profissão de advogado.
Em 1996, teve problemas com as autoridades e a polícia turca, acabando exilado no Reino Unido, durante dez anos. Atualmente é professor de Literatura numa Universidade de Istambul e vive entre Cambridge e Istambul.
Entre 2009 e 2018, escreveu quatro romances, tendo recebido inúmeros prémios. Os seus livros estão traduzidos em mais de trinta línguas. Escreveu artigos para alguns dos mais conceituados jornais europeus, como, por exemplo, The Guardian, Der Spiegel e La Repubblica. Em 2017, recebeu o Prémio da Fundação Vaclav Havel, sendo considerado um escritor em risco.
Em 2018, foi traduzido e publicado em Portugal o seu terceiro romance, intitulado “Istambul, Istambul”, originalmente publicado em 2015.
A jornalista e escritora turca, Ece Temelkuran, nascida em 1973, escreveu, em relação a este livro de Burhan Sönmez, que é “um livro profundamente comovente sobre o poder transformador das palavras”, o que corresponde inteiramente à verdade. Ao ler este livro ficamos bem com a noção do poder inerente à alta literatura e à sua potencialidade mágica e inebriante. A literatura como arte.
Poderíamos ainda acrescentar que é igualmente um livro que nos transporta, de forma muito realista, dramaticamente realista, ao lado mais obscuro do ser humano e à sua incompreensível, mas real, capacidade de infligir a dor ao seu semelhante. Ao longo dos séculos, independentemente da nacionalidade, da orientação política ou religiosa, o ser humano, sempre demonstrou ser capaz das maiores atrocidades, umas vezes de forma mais evidente, outras vezes de forma mais dissimulada, recorrendo à hipocrisia.
A história deste livro, “Istambul, Istambul”, decorre em Istambul, num nível superior e num nível inferior, à superfície e debaixo da terra, no bulício do quotidiano e no secreto silêncio da obscuridade inferior. Quatro homens estão presos, por motivos políticos, numa cela subterrânea, algures na imensidão da milenar cidade. No total serão quase trinta celas, não se sabendo quantas estão vazias.
Quatro homens ocupam uma cela, escura, húmida, fria, silenciosa, digna do melhor filme de terror. Um médico, um barbeiro, um estudante e um velho revolucionário. Todos diferentes, todos iguais. Não têm a noção do dia nem da noite. Já não sabem há quanto tempo ali estão. De vez em quando, os guardas vêm buscar um deles e levam-no para o torturarem. Pretendem nomes, pretendem denúncias. Mais tarde, devolvem-no aos companheiros, no estado mais lamentável que se possa imaginar, mais morto do que vivo. E levam outro. Por vezes, também levam os ocupantes de outras celas.
Os quatro companheiros do infortúnio, sobrevivem contando histórias uns aos outros. Histórias da superfície, histórias das pessoas de Istambul, da vida de Istambul, das dificuldades, das alegrias e anseios, das pessoas comuns que continuam a viver à superfície. Assim, se cruzam as narrativas do subterrâneo com as narrativas do exterior, alternando narrativas maravilhosas com narrativas horrendas e repugnantes. Um romance, aparentemente baseado na experiência do autor, que mergulha profundamente no lado mais obscuro da mente humana.
E lamentam ninguém saber que eles estão naquela situação e lamentam ir morrer sem ninguém saber que morreram, enquanto, na outra Istambul, à superfície, vinte milhões de pessoas continuam a tentar sobreviver, correndo de um lado para o outro, de casa para o emprego.
Na cela, os ouvintes das extraordinárias histórias vão diminuindo. Por fim, o último, continua com a estratégia de sobrevivência e continua a inventar e a contar histórias a ele próprio. Até que essa narrativa acaba por se esvair por entre as diversas tonalidades da escuridão, do silêncio húmido e do sofrimento atroz.
Este romance, em 2018, também ganhou o Prémio BERD de Literatura (melhor obra do ano de ficção literária, traduzida para a língua inglesa), atribuído pelo Banco Europeu para a Reconstrução e Desenvolvimento, numa parceria com o British Council.

Leave a Reply

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

*

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.