Opinião – Atenção, temos uma dívida com Pedro Lima

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A saúde mental é coisa séria e diz respeito a todos. De uma forma ou de outra, da mesma maneira que a vida nos deixa mazelas físicas, não nos poupa a mente e ali vai deixando indeléveis marcas que quase todos teimamos em ignorar.
E ainda bem que o fazemos – julgo – da mesma maneira que não deixamos de andar quando nos atacam as primeiras dores nas articulações e nem cedemos às rigidezes matinais que nos lembram do implacável avanço da idade e nos dificultam o levante. Pelo contrário, naqueles casos, fazendo das fraquezas forças, ignoramos a tentação de nos quedarmos imóveis e prosseguimos caminho, com firmes e ritmadas passadas. Em boa hora – repito – contrariamos o declínio que a doença e a idade nos trazem e, assim, vamos assegurando a vitória do entusiasmo sobre as agruras da vida.
No entanto, se, porventura, e por desventura, caíssemos e fracturássemos um qualquer osso da perna nenhum de nós deixaria de pedir que lhe acudissem e nem ninguém deixaria de lhe acudir, garantindo os bálsamos que nos disfarçassem a dor e as muletas que nos garantissem a continuidade da marcha. E, assim, a caminhada continuaria.
Na verdade, quando a dor é física é fácil – em regra – distinguir entre o incómodo das naturais mazelas de que nenhum de nós, mais cedo ou mais tarde, conseguirá escapar e as situações que exigem socorro imediato. E de resto, tanto quanto sei – que me perdoem os especialistas pela superficialidade do meu conhecimento na área -, há pessoas com insensibilidade congénita à dor (isto é, que não sentem dor), o que normalmente lhes acarreta complicações gravíssimas, já que, em virtude daquela síndrome, não evitam situações de perigo. O mal-estar físico chega, pois, a ser redentor.
A verdade é que, relativamente às demais dores – dores de alma, como vulgarmente lhes chamamos – a distinção é mais difícil. O facto de a sua ocultação ser em muitos casos mais fácil, aliado ao enormíssimo preconceito que acompanha a doença mental, leva a que as suas vítimas as justifiquem com vulgares cansaços ou até, nalguns casos, as transvistam de rasgados sorrisos que aparentam a maior das felicidades.
A recente morte do Pedro Lima dá que pensar e obriga-nos a redobrada atenção com quem nos rodeia.
Não poderemos fazer mais do que mostrar, por palavras e especialmente por acções, a nossa inteira disponibilidade para ajudar a mitigar aquele sofrimento da mesma forma que prontamente chamaríamos o pronto-socorro em caso de lesão que afectasse o corpo. Mas essa demonstração será bastante e, nalguns casos, mudará tudo certamente.
É a capacidade de sentir emoções (boas e más) que nos torna humanos, mas é sem dúvida a capacidade de sentir empatia pelo outro que nos distingue da restante bicharada.
O Pedro Lima entrava-nos amiúde pela casa adentro, quase sempre com o sorriso das pessoas felizes. Ainda por cima, aparecia-nos no meio de uma família, também ela aparentemente feliz. E era bonito, ademais. Por isso, tristemente, é possível que até àquela fatídica manhã, fruto das nossas próprias fraquezas, tenha gerado mais inveja do que empatia.
Agora, ao Pedro não poderemos devolver a empatia que lhe era devida e que lhe tenha faltado.
Ao Pedro já não poderemos acudir, mas o seu triste fado pode fazer-nos acudir aos nossos próprios preconceitos.
Paradoxalmente, o Pedro pode ajudar-nos bastante mais do que nós pudemos ajudá-lo. Oxalá não rejeitemos a ocasião de nos tornarmos melhores, cuidando da dor alheia como se nossa fosse!
Para além das inúmeras homenagens ao seu trabalho e à sua vida, não podemos esquecer-nos de que um homem bom morreu, vítima de doença. Se tivesse morrido de cancro por falta de cuidados adequados, estaríamos todos a reivindicar mais profissionais e equipamentos especializados. Pois bem, em nome dos nossos deveres para com a memória de um homem que nos fez rir e chorar, que nos despertou emoções, que nos lembrou da nossa humanidade, é tempo de exigirmos melhores cuidados na área da saúde mental (cuidados que cheguem a todos e em tempo útil) e é também tempo de combatermos os nossos preconceitos, para que quem sofre não tenha medo de pedir a ajuda de que precise.
Assisti há uns meses a uma divertida peça de teatro protagonizada pelo Pedro Lima. O Pedro fez-me rir. Devo-lhe, pelo menos, a alegria daquele riso. Tentarei honrar a minha dívida, combatendo os meus próprios preconceitos.

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