Opinião: Reforma urgente do Hospital de hoje – O exemplo do CHUC

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Superada a fase aguda da dimensão sanitária da pandemia Covid-19, julgo que já se pode proceder a um primeiro balanço – nada pode ficar como antes!
Acreditando que “uma crise não deve nunca ser desperdiçada” e sabendo que os momentos de crise nos convocam para lutarmos coletivamente pela mudança proactiva da organização do todo que é o SNS e, nomeadamente, do subsistema hospitalar. Este é o tempo para se alargar a discussão, com foco nas necessidades em saúde, no rigor técnico, na eficiência e na transparência, visando a formulação de decisões políticas participadas, as que possuem efetivo potencial de mudança.
É consensual que urge reformar (e não desmembrar) os hospitais e a rede hospitalar que temos.
Já constatamos que não basta mudar o quadro legislativo de “Governo dos Hospitais”. Experimentámos mudanças centradas nos regimes jurídicos – SPA, SA, ULS, EPE, PPP e pouco mudou em termos de resultados, confirmando-se a incapacidade de o hospital se reinventar só por esta via.
Sabemos, também, que “já não se constroem hospitais com mil camas”, à semelhança dos HUC, Santa Maria, São José, S. João, Santo António…
Também sabemos que os hospitais e Centros Hospitalares (a exemplo do CHUC) terão que ser reformatados, tendo-se em conta sete quesitos, a cumprir:
1 ) A adequação das estratégias nacionais, regionais e locais de saúde, tendentes ao reforço resolutivo e qualitativo do SNS;
2 ) A missão e os planos funcionais dos Centros Hospitalares e das suas unidades que devem ser adaptados à demografia e às alterações dos padrões de saúde/doença das populações (salienta-se que a Região de Coimbra possui um índice de envelhecimento muito superior à média nacional);
3 ) A estratégia de luta contra a infeção hospitalar e os novos surtos epidémicos e inesperados – atente-se no recente e excelente exemplo do Hospital dos Covões na resposta aos doentes com Covid-19;
4 ) O reforço do papel dos níveis de gestão intermédia nos hospitais públicos, conferindo-lhes mais responsabilidade e mais autonomia, remunerando os profissionais diferenciadamente em função do seu desempenho e estimulando a sua dedicação plena;
5 ) A aposta no trabalho em rede que cada polo hospitalar deve saber incorporar dentro da própria unidade e com as restantes unidades que integram o Centro Hospitalar, com a rede de urgência e com os outros hospitais;
6 ) O desenvolvimento do trabalho colaborativo na integração de cuidados com os Centros de Saúde, Unidades de Cuidados Continuados, estruturas comunitárias e rede social, reforçando-se o papel central que a medicina interna deverá desempenhar porque grande agregadora da diversidade das intervenções e da continuidade de cuidados;
7 ) A aposta na acessibilidade, privacidade, humanização, qualidade e conforto das instalações.
Sabe-se, também, que o hospital de hoje deve passar a oferecer serviços mais diversificados e acessíveis – mais espaço para “hospitais de dia”, vias verdes fora da urgência e prestação de cuidados integrados aos doentes com multimorbilidade, assim ultrapassando as atuais abordagens exclusivamente sectoriais e monodisciplinares.
Mas, também, melhor acesso às consultas externas, tele-consultas e a exames auxiliares de diagnóstico em ambulatório (colheitas fora do edifício hospital), para além de alargar os cuidados domiciliários e de ter mais especialistas a partilhar o território, devendo reconhecer-se à medicina interna a coordenação de cuidados e criarem-se as condições para um contato direto e frequente com os médicos de família, implementando programas de integração de cuidados e de tele-consultadoria.
Urge renovar lideranças, criar equipas rejuvenescidas, praticar uma efetiva prestação de contas, investir na qualificação das diversas Unidades de Saúde da rede interna do Centro Hospitalar e reforçar a segurança no trabalho. Desenvolver processos colaborativos incentivando formas de mobilidade transversal entre serviços e criar centros de competências partilhados em áreas como o planeamento, recursos humanos, monitorização, comunicação, ensino, investigação… E criação de verdadeiros centros de responsabilidades integrados, impermeáveis a “amiguismos”, com “despartidarização” das chefias das diversas unidades de gestão.
Eis uma boa parte da receita para a reinvenção dos Hospitais e, nomeadamente, do CHUC. A “teoria da forma” (Gestalt), esteve na origem de um movimento, alemão, que explicava o porquê de não ser possível conhecer-se o todo mediante o mero somatório das partes. Concretizando: “A+B” (HUC + CHC) não é, simplesmente, “A+B”.
A sua “soma” dá origem a outro elemento o “C” de “complexidade”, que se sobrepõe à mera “linearidade” da soma. A integração (e não compactação ou anexação de valências e quadros, como aconteceu com o CHUC) de unidades de saúde não resulta, necessariamente, num “todo maior que a soma das partes”. Os perigos que se deveriam ter acautelado são as mudanças sem conhecimento, propiciadores de meros “amalgamentos” de serviços, com invariável subalternidade de uma das partes (CHC), criando-se conflitualidades e precarizando-se um processo de integração que deveria nortear-se por uma ética da cooperação, de co-produção em saúde, de interfaces colaborativas em rede e de inteligência colaborativa. Foi consumado, sem apelo, o desrespeito pelas culturas organizacionais das partes.
Para que tivesse tido êxito exigia-se todo um conjunto de transformações e práticas organizacionais e gestionárias no CHUC, nomeadamente no desenvolvimento de modelos de gestão que apostassem nas equipas de trabalho colaborativo, onde caberia a participação de todos nos processos de tomada de decisões e na execução das tarefas, para se alcançarem objetivos comuns que garantissem elevados níveis de acesso, qualidade e eficiência, apostando na redução de insondáveis conflitos entre a prestação pública e privada, regulando mecanismos de incentivos para quem mais e melhor produzisse, em equipa, podendo assim demonstrar-se que a complementaridade entre CHC e os HUC exigiria a consideração do tal “C”, o da “complexidade”, que potenciaria a adequada integração de cuidados centrados na valorização dos percursos dos doentes, e não na subalternização de “instituições” e profissionais.
Quero acreditar que o Programa do XXII Governo irá ser politicamente executado, concretizando a inovação e a disrupção com as abordagens mais tradicionais da gestão hospitalar, garantindo um planeamento integrado de instalações, equipamentos e recursos humanos. Só assim, poderemos alimentar um “SNS mais justo e inclusivo que responda melhor às necessidades da população”.

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