A desqualificação do Serviço de Urgência do ‘Hospital dos Covões’, de urgência médico-cirúrgica para urgência básica, não é obviamente um ato isolado de gestão.
É mais um episódio de um folhetim miserável onde imperam a incompetência frívola e a desonestidade mesquinha misturadas num banho cenoso que não só revolta quem assiste a ele, como prejudicará irremediavelmente os cuidados de saúde e os doentes que necessitarem da ajuda do maior centro hospitalar da Península Ibérica.
Quem pensa que esta é mais uma questão coimbrã está profundamente equivocado.
Vai muito além disso. Alias, colocar esta questão a um nível local é ajudar, precisamente, quem pretende desvalorizar não só Coimbra como toda a região Centro.
Quem pensa exiguamente que esta decisão, e todas aquelas que lhe têm antecedido na mesma linha, só diz respeito ao Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra é desprovido tanto de noção estratégica como do princípio da solidariedade que tão bem António Arnaut soube transpor para o Serviço Nacional de Saúde.
Tudo o que se decide sobre o ‘Hospital dos Covões’ tem implicações regionais e nacionais.
O CHUC não é um hospital distrital como os seus dirigentes e outras personagens colocadas em centros de decisão parecem interpretar ou querer que aconteça. O CHUC é um complexo hospitalar que tem uma missão de entreajuda a todas as unidades de saúde da região Centro (mais de dois milhões de habitantes) e um importante papel a desempenhar na saúde a nível nacional.
Esta é a história destes hospitais. Não tenho qualquer dúvida que a gradual desqualificação do ‘Hospital dos Covões’ desde a criação do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, em março 2011, prejudica não só o próprio desenvolvimento de todo o centro hospitalar como também representa uma visão minimalista do que a região Centro pode oferecer a nível nacional e internacional na área da saúde.
Em primeiro lugar, a força da Saúde em Coimbra sempre residiu na bipolaridade que o ‘Hospital dos Covões’ e os Hospitais da Universidade de Coimbra expressaram através das suas complementaridades e até numa competição que soube potenciar o desenvolvimento científico, técnico e humano.
Em segundo lugar, a desqualificação do ‘Hospital dos Covões’, e agora do seu serviço de urgência, desqualifica sobretudo Coimbra e a sua região. A perda de valências numa sangria permanente, a falta de recursos humanos e tecnológicos, a desvalorização de uma instituição que contribuiu para a imagem da região têm um impacto muito maior do que os limites geográficos do distrito.
Em terceiro lugar, tem sido evidente que nunca existiu uma estratégia para o ‘Hospital dos Covões’, quanto mais um plano. Existiu, sim, o objetivo inconfessado – mas bem visível – de o aniquilar aproveitando todos os acontecimentos conjunturais para o fazer. Desta vez, foi da pior forma.
Após um esforço louvável e reconhecido por todos na luta contra o SARS-Cov-2/COVID-19, a notícia foi recebida por todos, profissionais, utentes, doentes, como um enorme soco no abdómen.
Já vi vários a aplaudirem esta proposta. Precisamente, os mesmos que sempre consideraram que Coimbra deveria desaparecer do mapa da Saúde e que, a ter um hospital, deveria ter uma dimensão exclusivamente distrital.
Há quem considere que o País deveria ter somente dois polos mais diferenciados de Saúde, um em Lisboa e outro no Porto.
Passamos agora a saber que, em Coimbra, também há quem defenda essa ideia. Talvez fosse altura de Coimbra os dispensar.
Não queremos uma cidade virada sobre si própria, fechada ao exterior e feita de um pensamento liliputiano.
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