Opinião: Quem não quer ser besta não lhe veste a pele

Posted by
Spread the love

Ontem, para preservar o descanso que o feriado de hoje – Dia de Portugal – prometia, escrevera antecipadamente o texto que agora revejo.
Compusera uma espécie de crónica de uma morte anunciada (perdoem-me a presunção!), referindo-me, obviamente, à saída de Mário Centeno do Governo.
Para memória futura, reterei as palavras de António Costa, durante o anúncio daquela remodelação – “infelizmente o Covid não permite dar agora o abraço que me apetecia dar ao Mário Centeno, mas, Covid passado, e o abraço será dado” – e o rasgado (e cínico) sorriso que esta promessa arrancou ao Ronaldo das Finanças.
E, ainda para futura lembrança, lembrarei que, quer no caso da injecção de capital ao Novo Banco, quer no caso do Plano de Recuperação Económica encomendado a António Costa Silva, Centeno fez questão de mostrar o seu afastamento do Primeiro-Ministro. No primeiro caso, o ainda Ministro das Finanças deu-nos conta da mentira de Costa, a que criativamente chamou “erro de percepção mútuo”, e, há poucos dias, referindo-se ao Presidente da Partex, afirmou “não falei com ele nunca na minha vida”.
Confirmada a zanga entre as comadres, restam por conhecer algumas verdades. Aguardemos pelos próximos capítulos…
Apaguei agora, porém, o restante arrazoado que aquela novela ontem me merecera, para dar espaço à irritação provocada por uma perturbante conversa a que há pouco assisti.
Esta manhã, ao meu lado, numa esplanada da cidade, dois jovens casais discutiam sobre racismo.
Todos se afirmavam não-racistas e condenavam a brutalidade do polícia que em final de Maio provocou a morte a um homem negro em Minneapolis. Todavia, para meu espanto, rapidamente eivaram o seu repúdio de múltiplas conjunções adversativas, e, assim, depois de muitos ‘mas’, ‘porém’, ‘contudo’ e outras expressões similares, a sua indignação foi sendo substituída por uma intolerável condescendência com a bestialidade do polícia que, nas suas palavras, “fez o que devia fazer naquelas circunstâncias… só exagerou na dose”.
George Floyd morreu em resultado da violência policial de que foi vítima, por alegadamente ter usado uma nota de 20 dólares falsificada, conforme atestam os chocantes vídeos que circulam na internet e que nos deixam perceber o desespero de um homem negro de 46 anos, descrito como “uma pessoa de paz”, que perdera o emprego durante a pandemia que nos assolou.
Nenhum de nós saberá se se confirmou a falsidade da nota usada por Floyd ou se este estaria consciente da dita falsificação, mas todos sabemos que nenhum homem deveria morrer por tal. E, mais, só uma inqualificável arrogância nos poderá inibir de nos imaginarmos no seu desditoso lugar.
Por tudo isso, nenhum de nós pode conformar-se com a sua morte e nem com a passividade de quem assistiu e até filmou o ocorrido, sem verdadeiramente acudir a um homem que agonizou durante oito minutos e quarenta e seis segundos, enquanto, asfixiado pelo peso de um polícia, avisava “NÃO CONSIGO RESPIRAR”.
Se há matérias onde as desculpas e os meios termos não são aceitáveis, o racismo é uma delas.
Não basta não ser racista, é preciso que o racismo, pela sua desumanidade, nos apoquente a todos e nos faça anti-racistas convictos e militantes, pois, doutro modo, seremos parte de um status quo que a todos deve envergonhar. A mim, envergonha-me profundamente e, por isso, neste assunto, não aceito qualquer ambiguidade, venha ela de quem vier.
Ao contrário do que disse Rui Rio, há racismo na sociedade portuguesa e é preciso combatê-lo, convicta e afincadamente.
Como social-democrata, espero que Rio faça o que lhe compete e que defenda quem mais precisa, em vez de ignorar o problema e apontar o dedo aos excessos da esquerda.
O respeito pelo outro é matéria de todos, sem espaço para neutralidades ou fingimentos, e a melhor forma de honrar George Floyd é combater qualquer acto racista, sem ‘mas’ nem meio ‘mas’, como bem diz o povo.
O racismo é inaceitável, indefensável, desumano. É próprio de bestas, e não de Homens.
Nesta matéria, só há dois lados e, por isso, quem não quiser ser besta, que aja como um Homem.

Leave a Reply

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

*

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.