O amor é sinistro nestes tempos pandémicos. Só o amor por um morto parece ser verdadeiro amor. George Floyd morreu nos Estados Unidos da América e, de repente, todos o amam e juntam-se em contestação. Dizem as notícias que a causa é nobre, e que ignorar as regras de segurança há muito impostas pela DGS é justificável. Os manifestantes espalhados pelo país criticam Donald Trump e afirmam que “não conseguem respirar”, à semelhança de Floyd. De punho cerrado erguido no ar, vão gritando: “Racista, fascista, o teu nome está na lista“. E pedem “justiça” porque sem ela “não há paz”. Tanto quanto se sabe, as manifestações de protesto contra a morte de Floyd — “Black Lives Mater” — ocorridas em Portugal, ocorreram em Braga, Lisboa, Porto, Viseu e em Coimbra.
É claro que a onda de contestação alargou o seu âmbito e foi além do racismo, atingiu a dignidade policial, afirmou-se pela dignidade da pessoa humana, contra o capitalismo e precariedade laboral. Deu para tudo os vários ajuntamentos. Só não lhes deu, por exemplo, para pensarem na dignidade das pessoas dos noivos que poderiam casar-se neste 10 de Junho, em Lisboa, com a bênção de Santo António. A dada altura pensei, sem grande esperança confesso, que alguém aproveitaria o desconfinamento da manifestação para erguer o punho contra a Câmara Municipal de Lisboa que, só cega de um olho, obedece às recomendações da Direção-Geral da Saúde para reforçar o confinamento e o distanciamento social e que, por isso, determinou o cancelamento da edição deste ano das Marchas Populares de Lisboa.
Tudo porque a elevada concentração de pessoas que marca os Arraiais Populares (certamente ao contrário das manifestações e da Festa do Avante e algumas outras “celebrações”), vincando a força da sua tradição, é incompatível com a sua realização, mesmo num cenário de diminuição da curva de contágio e do número de infectados, algo que também impediu os Casamentos de Santo António, não tendo sido sequer possível realizar entrevistas e seleccionar os nubentes.
Infelizmente, também a Câmara Municipal do Porto se viu forçada a cancelar a Festa do São João, um dos mais emblemáticos festejos da cidade e a maior noite dos portuenses. Porquê? Por causa do “potencial de risco para a saúde pública que este evento representa, ao reunir milhares de pessoas nas ruas da cidade”, declarou o edil. Mais: decidiu que as verbas que seriam gastas nas iniciativas do evento se destinassem a reforçar a luta contra a Covid-19. O mesmo sucedeu em Vila Nova de Gaia, que cancelou o São João e o São Pedro da Afurada.
Perante isto, que nos diz Coimbra neste ano par, que há 4 séculos integra as celebrações em honra da Rainha Santa Isabel (com as famosas procissões da Penitência, em que a imagem da padroeira é transportada da Igreja da Rainha Santa até à Igreja de Santa Cruz, e a Procissão Solene, que leva a imagem da Sé Nova até à Igreja Rainha Santa)? Diz-nos o site oficial do município que no início do mês de Julho, Coimbra transforma-se num enorme palco de festa. São as Festas da Cidade, que enchem de animação, não só os mais emblemáticos espaços, mas também os recantos mais típicos de Coimbra. É uma festa que surge para celebrar a cidade, que junta história, tradições e modernidade. Que quer que todos saiam à rua, misturando os de cá com os de fora, com um objectivo comum: celebrar Coimbra! Enjoy life, enjoy Coimbra!, diz o município. Só falta um enjoy Covid-19!