Há uma semana atrás, António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa juntaram-se a mais uma dúzia de figurões e, com suficiente pompa e circunstância, em transmissão televisiva, em directo de Belém, anunciaram à Nação que a próxima Final da Champions será disputada em Lisboa, já em Agosto.
Para começar muito gostaria eu de perceber como raio consegue aquela gente (só Ministros eram três – da Saúde, da Economia, e da Educação -, mais o Secretário de Estado do Desporto, e ainda o Presidente da Câmara de Lisboa, o Presidente da Assembleia da República, e mais umas quantas individualidades da bola) ter tempo para fazer figura de corpo presente naquela ridícula encenação.
Com visível regozijo, lá se aprumaram todos, lado a lado, atrás do Primeiro-Ministro e do Presidente da República, enquanto Suas Excelências manifestavam a sua imensa satisfação pela “grande vitória” de Portugal, que, nas palavras de António Costa, terá sido um “prémio” para os nossos profissionais de saúde. Noutros países, como se sabe, ficaram-se pelos vulgares prémios pecuniários. Por cá, foi assim, à grande: final da Liga dos Campeões!
Antes do mais, quero deixar claro que, não obstante aquela inusitada demonstração de saloice dos mais altos dirigentes do País, a minha maior crítica prende-se evidentemente com a decisão (em si mesma) de receber aquela competição na nossa Capital, numa altura em que a pandemia exige particular atenção e redobrados cuidados de todos nós.
Ora, assim sendo, não me parecendo prudente escancarar as portas dos estádios aos adeptos do desporto-rei e nem permitir a organização de eventos relacionados com aqueles jogos, a realização daquele certame importará certamente mais riscos do que benefícios.
E, por isso, resta-me a esperança de (em razão da idade, porventura) me ter escapado o som clássico das fisgas e de Costa ter estado, afinal, de dedos cruzados, a mangar com a malta.
Na verdade, desta vez, o País demonstrou pouca tolerância para aquele apoucamento próprio de um outro tempo em que se calava o povo com Fátima, Futebol e Fado, e, dos mais variados quadrantes, não faltaram críticas às palavras de António Costa.
Sucedeu que, como vai sendo seu hábito, o chefe do Governo veio mostrar a sua indignação e, ao invés de humildemente pedir desculpas pela infelicidade das suas declarações, garantiu que “é precisa muita má-fé” para transformar num insulto o agradecimento que ele fizera aos profissionais de saúde, trazendo-me à memória uma rábula do programa ‘Diz Que É Uma Espécie De Magazine’, passado há anos na RTP (e que pode ser encontrado no Youtube, sob o título ‘Gato Fedorento Valentim Loureiro Escutas Telefónicas’).
Ora, por ocasião do célebre Processo Apito Dourado (no âmbito do qual o Major Valentim Loureiro fora interceptado em escutas telefónicas indiciadoras de diversas tentativas de suborno a árbitros), os Gato Fedorento criaram um personagem inspirado no Major que, confrontado com o teor de uma alegada escuta na qual teria sido apanhado a dizer “Senhor árbitro, eu quero que o senhor beneficie claramente o Boavista, serviço pelo qual eu lhe vou pagar com um cheque da minha conta pessoal número 973941 e estou-lhe a pedir isto de tal maneira flagrante que se esta conversa alguma vez no futuro for apanhada para efeitos judiciais, eu estou tramado (…) Desejo corrompê-lo e bem”, explicou muito claramente que não se tratava de qualquer tentativa de suborno, já que “estava a fazer figas, como é evidente. Aliás, ouve-se na gravação o movimento das fisgas, com o meu dedo a cruzar por cima do indicador. E só por má-fé é que uma pessoa não ouve esse som, que é um som clássico das fisgas em todo o mundo, como toda a gente sabe”.
Má-fé, claro!
Naquele caso era paródia da boa.
Por estes dias terá sido a mais reles parolice protagonizada por um bando de pindéricos que assim vai fertilizando o terreno do populismo.
A nós, restam-nos as fisgas!